terça-feira, 15 de junho de 2010

Estava regressando do seu serviço de tomar conta de cães de patricinhas quando elas viajam. Dessa vez, a "patroa" não deixou água potável e papel higiênico. Teve que comprar do próprio bolso, o que foi um prejuízo razoável, tendo em vista que o ganho é irrisório. Foram quatro dias e quatro noites. Mas o bichinho não deu trabalho, estava calmo e só exigia que Macabéa ficasse o tempo todo ao seu lado, não podia perdê-la de vista. Era viciado em olhar pessoas.
Quando a mocinha voltou das praias que ficam distantes, Macabéa arrumou as trouxas, pediu uma sacola chique emprestada, para não ter que atravessar o shopping Higienópolis com aquele saco plástico nas mãos.
"Sibe..." era o nome da pomposa sacola. Colocou dentro a metade da garrafa de vinho que tinha sobrado da véspera - comprado com seu dinheiro, claro, não tomaria o vinho da mocinha, mesmo por que quem não tem água, não tem vinho, o pijama adorado, suas tranqueiras íntimas e pessoais.
Lá, no shopping, decidiu dar-se ao luxo de tomar um capuccino e uma água com gás, limão e gelo. Eu mereço, pensou. Era uma questão de autoestima. So imaginava, porem, quanto custaria aquele luxo. descabido. Muito descabido. Ainda tinha o cigarro mentolado para comprar. Tomou devagar para aproveitar cada gole daquelas delícias.
A seu lado, uma avó. Oh my God, quer coisa mais...mais descabelada (me faltou um termo apropriado - perdoem-me vovós) do que avó? Essa encontrou outra, e as duas ficaram falando sobre seus netinhos, mostrando fotinhas, uma mais linda que a outra, as netinhas.
Esse é lindo!
Não, é essa. É uma mulherzinha.
Ah!
E as crianças tinham essa mania que ela não compreendia: gostavam de olhar para ela, esconder os rostinhos, fazer caretinhas, ficar sorrindo, queriam às vezes até tocá-la. Era um mistério que Macabéa não entende até hoje. As crianças amavam-na. Será que ela tem cara de vozinha?
Com sua sacola de grife, seguiu ela Higienópolis abaixo.
Sabia que um grande futuro a esperava. Não tinha nascido para nada. Desde pequena, o futuro sussurrava-lhe grandiloquências.
O capuccino arranhavá-lhe a garganta como pastilha antiácida engolida a seco.
Estava morrendo e era vendável. O pacote inteiro: pelo, corpo, olhos, dores, antigos amores, tudo por um preço razoavelmente barato.
Se pudesse escolher entre caminhar pelo meio dos prédios amarronzados observando a vida ou morrer,
escolheria morrer.
Tropeçou numa fissura da calçada e caiu de cara no chão. Bem feito! ficava pensando bobagens. O porteiro do prédio da calçada remendada foi solícito e quis saber se ela estava bem, não tinha quebrado algum osso.
- Está tudo bem, levantou-se com os restos da dignidade dentro da bolsa, gracias!
Dali a dois dias saberia que não.
Amara aquele homem naquele instante. Amara qualquer homem que fora delicado com ela. Na verdade, naquela hora, amaria qualquer homem que a recolhesse das lajotas.

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