sábado, 6 de março de 2010

Pois bem, ninguem pode fugir da imitação, pensava Macabéa enquanto caminhava pela rua vinte e cinco de março. Era uma quinta-feira típica de São Paulo. Riu-se. Tipica, o que é típico em São Paulo? Os paulistanos talvez. Caminhando entre marcas famosas, bolsas e outras quinquilharias (esnobismo de sua parte, pode crer), claro mascando suas balinhas marrons-kafka, ela pensava audivelmente: é tudo falso. Filósofa, meditava nas metamorfoses, e não pode deixar de apreender que a imitação é uma metamorfose, pois não?




Macabéa não é um ser desses profundos, que mergulham nas verdades com avidez e carcome livros velhos com fúria dinossauriana. Apenas lê Kafka e outros porque são vendidos na banca, custam dezessete reais. Um por mês dá para comprar.

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Voltou para casa muito tarde da noite, ainda por tomar banho. E para sua surpresa agradável, inebriante poderiamos dizer, a senhoria não estava em casa.



Deleitou-se com o silêncio a solidão, tomou seu banhinho de chuveirinho (é, a dona não quer que a água espirre em cima de uns paninhos que estão forrando o chão do banheiro). Apelidou de banho japonês, não se sabe por que. Abraçada ao casaquinho preto, estudou um pouco de Inglês.



Ah, deixem-me contar-lhes: Macabéa fez um cadastro para tentar um trabalho numa empresa que contrata pessoas para fazerem avaliação de restaurantes. Imagine a felicidade da pobre se conseguir esse emprego, ufa! Bem, na hora de preencher o cadastro tinha assim: idiomas que domina. Oh My God! Colocou lá Inglês e Espanhol. Bem, Espanhol, quem não fala, não é verdade? Diga aí qual é o brasileiro que não fala Espanhol. Daí, cadastro lançado à sorte, adquiriu - o dinheiro acabou, agora só adquire coisas com o cartão de crédito, adquiriu um livro como aprender inglês. Abriu na parte restaurant, bars and food.



Já sabe dizer ao waiter: Would you please give me the menu? Perto do domínio.
Melodramática, cruel e falsa é a inquilina. Lembram do filme "A Malvada", com Betty Davis? Então, a própria. Cheia de feridas no rosto, na pele dos braços, escorrendo sangue pelas unhas, prepara a comida. Macabéa não sabe que colher, que garfo usar. Tem nojo. A mulher alta, magra com traços aschewitzianos coça as feridas e vem as unhas cheias de sangue nas crostas descadadas das mãos. Nojo.




O colchão tem um tremendo buraco no meio e afunda. Maca sente dores nas costas. A mulher diz "deve ser o peso". De quem, meu? - diz Macabéa assustada. Engordei tanto assim? As escadas são muitas: para ir ao quintal, para ir ao banheiro, para ir lavar roupa no tanque, para descer e sair da casa. Tem porão tem sotão, e a ínquilina poderia jurar que há cadáveres escondidos debaixo dos móveis, incrustrados nas paredes. Pó, muito pó. Os espelhos são cobertos com panos ordinários, tudo tem um paninho em cima.



Cada vez que ela sai seu quarto é investigado e quando volta, a mesinha de cabeceira, o cabide tokstok com as roupas, a mala que está no chão, a penteadeira (...), tudo está coberto com os paninhos. Dobra e põe no corredor, sobre uma mesinha. Paciente, Macabéa somente hoje reclamou do colchão. "Impossível, meu sobrinho, que pesa cento e vinte quilos dormiu muitos anos aí. Agora ele está numa clínica por causa da esquizofrenia, mas fazia todas as coisas aí". O quê? Quê coisas, dona Fulana? "As coisa". Explicado.



Saiu aterrada, com dores nas costas, onde ir? Ao metrô, com seu livro. Resolveu volver a ler Kafka comprado na banca de revistas. Tirou um guardanapo da bolsa e começou a escrever: comprar colchão,
Sei que vou ser barrada na entrada.




Não passarei na catraca, pois a ordem é: um texto por dia. De doze em doze horas, doses homeopáticas. Não importa, vou tentar assim mesmo. É que Macabéa está cheia de urgências inusitadas principalmente devido às palavras carinhosas que escutou no metrô, na estrada.



Sim, para ela tudo ainda era estrada e chão batido.



Afora as urgências, Macabéa virou santa. Foi inscrita num livro sagrado desses que existem por aí, editados sem revisão, sem contrato assinado, pois não é verdade que ela nem sabia?



Agora quer ser estação de metrô, a Louca.



É um sonho novo, reciclado. Nem lembra mais dos sonhos do passado que foi ontem. Macabéa urgente é uma maravilha, com tudo regurgitando em dobro, a fala apressada e se comendo toda, trêmula, como uma loba no cio.Macabéa arisca, e sem sentido para comer pizza, sem o casaquinho que esqueceu em casa, e a chuva já pintando de negro o céu agora há pouco azulado, corre.
Sentido contrário. Deu de cara com o sujeito que a perseguia: Macabéa...Macabéa Alice!

Não sou, não sou, dizia, enquanto apertava o passo largo de maratonista em direção ao raio que a partisse no meio da tempestade

terça-feira, 2 de março de 2010

aspirar as asperezas da tua pele
desenhar entre teus pelos excêntricos arcoíris,
sentir o cheiro de lembranças inventadas
rolando no teu o meu peito em desafio,
lábios percorrendo núbias estradas
convocadas pela tua urgência.

o mais denso, o mais fino labirinto,
mais felino encanto,o mais louco espamo,
um lamento...?
o gozo que a minha alma sente,
terna e tensa que se sabe a amada ausente,
teu hálito soprando ao seu ouvido.

dá-me, oh!, as fissuras do teu pensamento,
preenche esse abraço de versejos,
de poemas desenhados em vento.
escreve, deserto de atacama,
verão de ipanema,
chuva de inverno, dor de cotovelo,
apraz-te, ai!,
e toma-me, madura e flor tremente,
tola e loucamente
como se fôramos os jovens de antigamente.

e no final do dia ateu e rude,
deposita por favor um ósculo amante
e rival da sombra, em mim, tua semente.