terça-feira, 13 de abril de 2010

A Ópera do Lixo


(No lixo se remexem passados. O lixo revela, já se sabe, e o jeito como as tragédias abalam).



Sinceramente, eu não sei...aquele monte de lixo descendo em faina avassaladora, um barulho estúpido de explosão, gritos, e o desastre se espalhando ruinosamente, levando de roldão as casas, as pessoas estupefatas diante do assombro. Eu estava lá, de alguma forma e vi em cada rosto o pavor que antecede a desgraça. Vi corpos sendo devassados e engolidos pela fúria dos dejetos. Vi bocas abertas e gargantas engolindo o lixo encharcado de chuva. Vi e me arrependo de ter visto crianças serem tragadas numa tragédia de uma morte pavorosa, indigna, desumana - a morte que não é humana.



Engolidos pelo lixo. Pior que a guerra, a fome, a violência? - não sei. Sei que veremos de novo, apocalipticamente, ao vivo e a cores, de novo - quando? Corpos levados em caixões mais bem acabados do que suas moradas. A miséria humana embalada dignamente.



Espasmos violentos sacudiram corpos engasgados de sujeira. Gargantas imundas sufocadas pello lixo na última comunhão.



Espetáculo de pobreza e da sordidez dos que governam - a imundície onde aqueles pobres viviam, agora adubo em que se erguem cruzes no cemitério a céu aberto.



Mães abraçadas aos filhos e velhos agarrados aos netos na solidão da morte. Não sei palavras que possam amenizar tamanho horror, mas a gente tem que se calar.



Já passou, aqui é um Bar (com letra maiúscula) - e não se fala mais nisso.
As coisas aconteceram muito de repente, não se sabe onde está Macabéa. A única pessoa que a conhece (ou conhecia) está lá, dando entrevista para a televisão, mas não sabe se Macabéa morava sozinha, ou no barraco de um parente...a amiga apenas sabe pela descrição da própria Macabéa que a "casa" era seu lar, seu único lugar. Talvez lá esteja soterrada.




Sei que a história pode parecer piegas e oportunista, mas não há sarcasmo nem histeria. Apenas uma forma de tentar matar Macabéa, adequando a morte à sua forma trágica e inútil de vida. Assim morrem Macabéas tambem na vida real. Faxineiras, empregadas domésticas, mãosdeobra não especializadas...profissões sulbaternas. De quem trabalha para jogar o lixo onde vai morar. Joga o lixo na sua casa para onde volta à noite.



Vivendo em cima de dejetos, Macabéa pode estar morta, no entanto não sei se a quero morta dentro de mim, em cima do meu próprio lixo, ou se a quero sobrevivente dessa vida miserável a que foi condenada. Não sei se haverá mais metrôs e namorados, nem o trabalho que lhe garante o salário mínimo mínimo para comer algum pedaço de pizza, comprar um sapato novo, ir ao parque no fim de semana, comprar um livro na banca de jornal ou na estação do metrô, ajudar a pagar a escola do sobrinho que mora distante, mandar um dinheiro no final do mês para a mãe, não sei...se Macabéa ainda vai observar a vida, e fingir-se de filósofa enquanto gasta o que sobrou do salário tomando cerveja no bar.



Esta parte de Macabéa está encerrada. Segue a novela sem todavia saber-se quem é ,afinal, essa Macabéa que tantos desconhecem, ou desprezam, ou a sabem chata e sem graça, e ainda não compreendo como uma história tão tola, sem sentido, sem vida (?) pode sobreviver ao lixo.
ela existe, independentemente de vocês


Sentenças são escritas todos os dias. Apenas os réus são diferentes. Depois de todo o circo montado, os culpados joram julgados e vão para o cárcere.



Isso não tem nada a ver com Macabéa, a pequena menina do interior que já aprendeu a falar com os erres bem puxados. Ditos e não ditos, a história recorrente é a mesma da moça que estava ao lado dela, os sapatos afrouxados pelo uso, um cheiro de nicotina saindo pelas narinas, pela respiração, pela roupa mal cuidada. Parecendo sempre um romance de terceira categoria, Macabéa continua descrevendo entusiasticamente o que foi a noite passada ao lado do namorado.



- Mas, Maca, perguntava a moça aflita, não houve nada, nadinha?



- Claro que não, Rita, apenas estávamos em fase de reconhecimento, você não entende? Ai, meu Deus, como você é imoral...só pensa em sexo. Menina, prestenção:

o rapaz nem tocou no assunto.



- Mas tocou em você, pelo menos?



- Nem tem graça...olha, lá vem o meu ônibus...ih, Ritinha, tá cheio! Faz mal não.



Subiu no lotação, meio que dependurada abanou com a mão fraquinha para a amiga que tinha ficado no ponto. Pensou em ovos de Páscoa. Não faz o gênero Páscoa. Agora parece está sozinha de verdade, sem Páscoa, sem nada.
a culpa de macabéa


Qual seria o plano B? Cumprir a sentença de vida era um peso enorme. A condicional seria o direito de passar algum tempo morta, descansando. Depois, voltar à cela cumprindo a longa pena da vida: com ela havia tres ou quatro na mesma situação...arrastando o corpo ao longo da sentença.



Dar um sentido ao banho, às evacuações, à alimentação.



Estirou a cabeça reclinando-a num encosto invisível. Desejou ardentemente que o barulho do trem não terminasse jamais. como um canto de ninar. Virou criança cheia de desejos, enquanto esticava as pernas, dobrando o corpo para trás. Macabéa, Macabéa, pensou: qual o plano agora?



Um trem que atravessasse o mundo, e a levasse em sonhos de volta ao passado, enquanto lembranças doces escorriam nos trilhos, no choro do trem, a galinha com farofa. Com os olhos semicerrados, ouvia as vozes entre as portas, no meio de janelas fortemente fechadas e um calor gostoso percorria sua nuca úmida.



Não podia enganar ninguem nem fingir que era inocente. Os olhos quase adormecidos olharam de um lado a outro, percorrendo os bancos vazios. Olhos sem antecedentes e sem brilho afinal. Escuros e voltados para dentro, frios.



Pensou nos filhos, a bunda doia no assento duro, levantou os pés um pouco acima do chão do vagão deserto e começou a sentir aquela ânsia de sufocamento como se alguem a esganasse. Na próxima estação, Macabéa teria que estancar o sangue e decidir o plano B, a pena a cumprir.
dieta macobiótica (corrigida) tá tuim mesmo não dá


Aliás - pensou antes de se dar conta do que estava fazendo, não vai faz me fazer mal algum praticar a paciencia, a generosidade, o altruismo.



Enfrentou com galhardia os degraus escurecidos da escada e respirou fundo: um, dois, três, quatro, cinco, seis. A voz saiu um pouco falsa, desafinada e alta demais quando ela tacou um "Bom Dia"! lá do primeiro degrau. A mulher respondeu com um daqueles suspiros horriveis e profundos.



Fez de conta que nada tinha acontecido. Zerou o relógio e colou o sorriso disposto no rosto largo. Colocou um ovo para esquentar, e a criatura exclamou horrorizada "você vai comer isso, ovo cru?" Vou! - respondeu seca enquanto olhava aquele amassado de banana que era a papa que a senhoria comia todas as manhãs. Coisa de umas tres ou quatro bananas amassadas pacientemente com o garfo. O cheiro de banana exalaria o dia inteiro vindo da cozinha, da sala e do corpo da mulher. Aquilo era enjoado.



Riu um pouco quando lembrou que ontem comeu uma pizza que estava na geladeira há três dias sob o olhar petrificado da senhoria macrobiótica que, por ironia, tinha o corpo coberto de pústulas sangrentas e repugnantes.



Pacientemente, a boa Maca lavou os utensílios que tinha usado e escutou mais uma vez as loas à comida vegetariana, à longevidade, à saúde, "já comeu cogumelos do sol?", "eles disseram que vai chover hoje". O universo dela era repleto de "eles": eles dizem isso, aquilo, eles os pretos, eles os nordestinos..





Paciencia curta, Macabéa agarrou rapidamente o casaquinho preto dependurado no cabide, jogou para o alto o exercicio de paciencia a que se tinha proposto, largou o ovo quente, o pão vencido ("já olhou a data?..acho que está vencido") e foi lépida e fagueira tomar seu café da manhã na padaria, amtegozando o gosto do presunto, da mortadela, manteiga, café com leite, e, ainda o suculento bife quase vivo que comeria no almoço.

QUEM É, AFINAL, MACABÉA?

Macabéa, Béa, béa, sou eu. Mas pode ser você. Há outras, não me importo, sejam! Se quiserem o meu nome, sobrenome, a minha roupa, os meus desastres, minha pompa e circunstância, meu avessos, minhas letras, tudo se los doy!




Nada mais importa diante de um nome que não tem pai, parentes, amantes ou dinheiro...de que serve? Aflito, o espelho não responde nem dá tréguas ao tempo como fez com Dorian Gray. Levem-me aos mares, aos desertos, bebam água, matem a sede, tirem de mim a alma, mas o corpo não me levem.



Deixem-me aqui para que os ratos roam, os insetos comam, os homens se deleitem.

Deixem o que me resta. Em meio às feras no zoológico humano, Macabéa, Béa, béa, soy Yo! Pero declino. Usem e abusem do poder de Macabéa essa moça que já foi mocinha, cinco vezes anistiada, tantas vezes foi amada, sem perdão.



Macabéa não confessa bajo tortura, toca piano a quatro mãos. É a vida, Macabéa, Béa béa. Essa sou eu. Mas pode ser você, fique à vontade.

è Grey ou Gray? rs 11:15 (32 minutos atrás) excluir olga

Não importa, Dorian é cinza, Macabéa é preta. De fuligem humana. Coberta. A mínima réstea de luz comporta a sua escrivaninha. Escreve compulsivamente e não tem tempo para o pensamento. Macabéa é meio alfita, meio urgente e histérica. Há nela traços de esquizofrenia aguda, disfarçada pelos trapos que carrega, como um casquinhho preto debaixo do braço. Não é difícil reconhecê-la nas ruas porque está sempre gritando aos transeuentes alguma loucura qualquer que lhe vem à mente. Mente? Não, não há mente. So um vazio estereotipado (que é isso

adeus de mim

há uma coisa fria aqui por dentro
uma impossibilidade...

uma cor devassa
uma nuvem frágil que me despedaça
estranho ser que ainda sou por dentro

alma, verso e uma nuvem calma
me invade inteira e completamente
eu assim tão fria... tão indiferente!

despeço-me do eu ausente
no anseio do abraço morte

enlaço
ao furor fora de hora
fora de contexto

num adeus de mim
de quem não sei
absolutamente!