quarta-feira, 30 de junho de 2010

nnão consigo transmitir

nem por via aérea,
correio elétrico, eletrônico,
internáutico...
sinais de fumaça
braile e linguagem das mãos
barquinho de papel no lago
garrafa jogada na praia
não consigo me expressar

no escafandro da minha cabeça
rolam mil idéias e palavras
passa o boi passa a boiada
mas não consigo engendrar os versos
nem tampouco os textos:
as palavras dançam,
serpteiam, dão a volta e saem do outro lado...
como as ruas de são paulo -
ah, miseráveis!...

pinto telas, jogo fora,
escrevo papeis que voam pelas janelas
vazia, inerte, dolorida em partes
jogo em lixos estranhos os pedaços
do que seria minha criação
em partos induzidos e cezarianas ocas,
vazia, estranha, liberada à posteridade
entregue à multiplicação
de uma mente estagnada
No envelope branco, escrito numa letra firme estava o seu nome. Beijou o remetente no papel frio.
Subiu as escadas de dois em dois e, esquecida por alguns instantes da premência fisiológica, rasgou com os dentes como pode, e tirou de dentro o livro. Arrancou o plástico bolha que protegia o conteúdo e leu a dedicatória.
Sentiu-se feliz como uma pluma que se desgarra do corpo que a prende e voou feliz para o banheiro.
Depois do banho tomado, a cabeça enrolada na toalha branca, deitou confortavelmente na cama e começou a ler.
O sono pegou-a de surpresa e dormiu abraçada ao primeiro capítulo, mas, ao acordar,
sabia que ele estava ali. Devorou-o.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

As palavras agora doem-lhe. E sem palavras a agonia extremou-se. Macabéa está sentida, aflita e desacordada na demência que foi-se embora com seu pouco juizo. Antes santa, agora é pecadora confessa e renitente.

Mulheres que amam demais

As palavras agora doem-lhe. E sem palavras a agonia extremou-se. Macabéa está sentida, aflita e desacordada na demência que foi-se embora com seu pouco juizo. Antes santa, agora é pecadora confessa e renitente. Ela amava. Era dessas mulheres que amavam demais.

Um dia, quando acordou com aquela cara horrorosa surgindo no espelho como uma assombração, decidiu fazer uma plástica. Foi consultar o cirurgião plástico para saber quanto custava a reforma: oito mil das orelhas para baixo, dezesseis total - isto é, começando do pescoço até em cima, na testa, costurando tudo e juntando como um feixe por detrás da cabeça, como um coque, sabe?

Achou muito caro, mesmo porque não possuia aquela quantia. Aliás, aquela quantia estava muito acima do seu gosto e do seu poder.

Tinha mesmo que enfrentar a feiosidade no espelho, que fazer? Plano B: pintou os cabelos de loiro Marylin, um sombreado em volta dos olhos (azul, o sombreado), comprou umas roupas modernosas, um salto alto e fino, e sentiu-se mais jovem e menos feia.

Derrapou na rua, mas não perdeu a pose. Estava, como diriam os antigos, bonitona!

Macabéa amava acima de si mesma aquela nova aparência.
Deixo os dedos rolarem pelo teclado. Fora de mim, escrevo para algum leitor imaginário. O dedo mindinho está machucado, logo, escrevo com o dedo mindinho machucado.
Não sei o que dói mais: o dedo?
Danem-se! - não, não posso dizer, é muito rude, vai ferir. Então, que vou dizer...melhor calar. Calada, eu não digo nada., e isso resolve tudo. O silêncio é rude, no entanto, não?

Desamanhecer

vou


desamanhecer,

vou me desdormir,

desatrasar a hora,

revirar o travesseiro,

desfazer a cama,

revestir o velho

pijama listrado



(o lustre apagado

na tênue cortina da escuridão)



vou

lânguida, desfazer a maquiagem

coming back para o teu olhar,

para o nosso sonho...para o luar



vou

apagar o sol

com a força e o poder!,

fazer o tempo voltar



vou

recomer a pizza e retomar cerveja

no domingo amadrugado

reviver um ontem apaixonado

no calor da cama recem arrumada



(quero o hoje espreguiçando...)



vou desamanhecer

meu plano

vou desacordar

vou viver de novo

a noite passada

domingo, 27 de junho de 2010

Assim, assim...repetia pacientemente para si mesma, enquanto tentava equilibrar a fatia de salmão em cima de um panqueca minúscula.  Apenas mais um pouco e o martelo bateria o último lance. Era só a questão de apertar o gatilho ou pular do banquinho. Não via a hora de escafeder-se, pegar o beco, desertar...
A prima não aceitou desculpas, então ela precisou comprar um vestido novo, e o jantar estava muito bonito, muito gostoso, muito tudo de bom, mas havia aquela sensação incômoda de deslocamento, precisava ir embora. Mal pode esperar o jantar, e saiu antes da sobremesa.
Todos desconhecidos e fechados para qualquer outra coisa que não fosse eles mesmos. Doutores-Professores, titulados até à tampa, mas ela surpreendeu um deles num gesto quase humano alisando discretamente a parede principal (principal porque era a maior) na esperança de desfazer a dúvida quanto àquilo: se era uma pintura ou tapeçaria, ou até um desenho feito por algum homem das cavernas. Tal a quantidade de antiguidades, alguma coisa ali deveria ter vindo de uma tumba de faraó. Outro, deslizava pelo salão olhando os objetos decorativos como quem nunca tinha visto um vaso chinês ou alguma outra quinquilharia made in China.
- Está procurando o toilette, senhor? Desconfiado, o homem disse não e continuou de olhos baixos passeando por entre as luxuosas poltronas forradas de cetim marroquino (sei lá, estou inventando, ela desconhece a qualidade dos cetins). O segundo prato que resolveu comer consistia de cordeiro acompanhado de polenta, uma invenção dela entre tantas igaurias ali servidas, para deleite do chefe  Monsieur Shalon, encantado com a mistura sagaz que ela, criatura artística, atravessando a quilométrica mesa para compor a mistura inusitada. Mervilhouse, Madame. Inusitada.
Tomou mais uma taça de champanhe com cassis e estava ficando bêbada. Olhou para o degrau de mármore preto (deve ser carrara, não é?), dois, que teria de descer para atravessar o grand salon, despedir-se dos anfitriões, enquanto aquele xale de seda vermelho escorregava por seus ombros incomodamente, o escandoloso broche -  uma borboleta vagabunda, doirada e desdentada em agumas pedras imitando brilhante espetava o colo magro. Estava ridícula, sabia.
As quatro empregadas uniformizadas na porta de entrada estavam lá como estátuas  desde o começo da recepção, aventais pretos e longos por cima de calças pretas e longas.
Escorregou astutamente entre os convivas elegantes, pediu o casaquinho preto e sua bolsa às uniformizadas criaturas e preparou-se para a saída. Mandou chamar a prima discretamente, pediu um dinheiro emprestado para o táxi, e, ao ver as grades marrons do seu prédio ficou tão aliviada, quase feliz,  que resolveu dar cinco reais de gorjeta ao motorista, como recompensa ao serumano que a tinha devolvido ao seu mundo real. Boa noite, graças a Deus, muito obrigada.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Fotografia do planeta Terra:

É azul, azul
Cheio de gente verde,
marrom, amarela e preta.
como não se corrpomer, manter-se limpa no meio da sujeira que impera. que parte difícil. quero-me limpa.
Vaga por ai a procurar belezas. A esperança. De repente, ela pode aparecer num sorriso, no jornal, na banca de revistas, no ônibus, na rua, num pedinte. Um sorriso.
Movida por uma vontade indestrutível, tenta reerguer a ponte entre seu mundo interior e o mundo real. Seu patrimônio íntimo tinha-se diluído no pó de uma memória ardentemente vazia, eternamente desamparada. Lá, aonde nasce o silêncio da perda irreparável, que era a sua memória, ela jaz viva, perambulando entre o futuro e o presente,  inanfiançávelmente só.

Tenho agora que levá-la no braços, acarinhá-la como a uma criança. Tenho que banhá-la, lavar seus cabelos e sustentá-la quando vai ao vaso sanitário.

E tenho que construir essa muralha todo dia: a que nos separa. Desistir de ultrapassar abismos e silêncios,  pedir a mão de um homem para que me sustente. Não me cabe desistir, não me posso a covardia. Obrigo-me a matá-la um pouco todo santo dia. Incubá-la na sua redoma, e deixar-me ir um pouco.

Dessa heroína que foi não lhe resta quase nada, ademais da força, que já é demais.
Tenho que abdicar da frieza que me salva, para poder carregá-la comigo.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Caminhava a passos largos pela rua. A noite terrivelmente fria assustava um pouco os passos, mas nada digno de nota, adorava o frio. Conheceu gente nova, gente interessante, divertiu-se, o que tem sido uma constante desde que começou a frequentar a Galeria. Ali havia gente de todo tipo, todos interessantes. Café, suco e alguns biscoitos estavam postos sobre a mesinha e a gente nem se lembrava de beliscar. Tudo arte. Qual é o teu trabalho, e o teu qual é?
A melodia que tocava ao fundo, nem se ouvia, era tudo arte.
- Adorei aqueles teus quadros. São fantásticos! A questão do vazio, não é?
- Sim...pode ser. Mas não foi nisso que pensei quando fiz as telas.
- Não? - e no que você pensou então?
Um olhar sério, profundo e compenetrado fitou-a por alguns segundos:
- A menor idéia. Não me lembro. Mas está bacana mesmo, gostou?
- Puxa, está super bacana o teu trabalho.
- E o teu qual é mesmo?
Procurando entre a~pequena multidão um espaço por onde esticar o dedo e apontar para o espalhafatoso vermelho/verde que estava na parede dos fundos.
- Lá, ó! aquele com o menino virando pé de guaráná.
- Ah, aquele saindo galhos pelos ouvidos?
- Hum.
- É, né... ... ... tá bacana, né? Assim... ... ...né?
- Não gostou, tá certo. Eu tambem não gostei muito, mas tinha que fazer...temático, não é mesmo? O temático prende, você não acha?
A baforada de cigarro mentolado atravessou sua roupa, primeiro, segundo, atravessou sua alma.
Enquanto andava pela rua fria, ainda rescendia a cigarro (mentolado).

a caminho da ruína

Antes que comece o dia
Olha a sua face
Nos espelhos espantados
De outras faces
(Á sua que se quer mistério)

Sai depressa, faceira
Balançando os quadris
Esgueirando-se da luz
Fugindo do dia que começa

Avessa a outros rostos
A caminho da ruina
Recolhe da ponta dos sapatos
Pedaços de espelhos partidos pelos saltos

E a saia que balança ao vento
Desmantela o esconderijo
Depõe, covarde, sem pudor,
Delineia em lúcidas centelhas
Um cenário incontestável
Que revela os seus segredos

segunda-feira, 21 de junho de 2010

De onde eu andava, o dia parecia se arrastar solene. Sentada eu só via a praça. Os pombos beliscando, os mendigos mendigando, uma música muita alta vinda da enorme tenda de lona montada para as pessoas assistirem ao jogo de futebol, Brasil na Copa 2010. Sentia-me alheia a tudo e todos, possuida de um uma saudade enorme.

Uma saudade indescritível de tudo e de todos, como se eu tivesse morrido. Sim, porque assim deve ser a saudade dos que morrem: por que todos tem vida? Prazer, dor, sentidos...estou tentando ouvir minha própria voz, estou tentando procurar sentidos. Invoco meu Deus mais uma vez e junto as mãos. Estou orando.

No meio da praça, vejo a corda bamba, me equilibro. A criança passa brincando com uma bola (cheiro de casa).

O clima hoje está benevolente com os cidadaõs que há poucos dias estremeciam dentro dos seus casacões pesados, mas continuo trêmula, com o frio acumulado.

A morte me amedronta em um certo sentido, talvez só na sua forma de acontecer. E levanto e vou andando no sentido norte-sul.

A música volteia, desenvolve-se, parece aumentar absurdamente em volume; a noite vai chegando e com ela a necessidade de voltar para casa.
Olho a criança, a bola, os mendigos, os pombos, sinto-me estranha, abduzida.

Melhor que eu volte imediatamente antes que a noite me alcance, e sua escuridão medonha me absorva e me leve de volta ao meu planeta.

cronicazinha

De onde eu andava, o dia parecia se arrastar solene. Eu só via a praça. Os pombos beliscando, os mendigos mendigando, uma música muita alta vinda da enorme tenda de lona montada para as pessoas assistirem o jogo de futebol. Sentia-me alheia a tudo e todos, possuida de um uma saudade enorme.

Uma saudade indescritível de tudo e de todos, como se eu tivesse morrido. Sim, porque assim deve ser a saudade dos que morrem: por que todos tem vida? Prazer, dor, sentidos...estou tentando ouvir minha própria voz, estou tentando procurar sentidos. Invoco meu Deus mais uma vez e junto as mãos. Estou orando. No meio da praça, vejo a corda bamba, me equilibro. A criança passa brincando com uma bola (cheiro de casa).

O clima hoje está benevolente com os cidadaõs que há poucos dias estremeciam dentro dos seus casacões pesados, mas estou tremendo.

A morte me amedronta em um certo sentido: talvez só na sua forma de acontecer.

A música volteia, desenvolve-se, parece aumentar absurdamente em volume; a noite vai chegando e com ela a necessidade de voltar para casa.

Olho a criança, a bola, os mendigos, os pombos, sinto-me estranha, abduzida.

Melhor que eu volte imediatamente antes que a noite me alcance, e sua escuridão medonha me absorva e me leve de volta ao meu planeta.

domingo, 20 de junho de 2010

O Sumiço da Lua

Abro mais
Um pouco
A janela
Afasto a cortina...
Meus ollhos discernem
Na réstea da rua
Em alvoroço,
A lua pequena e linda.

Fitando,
Meus olhos piscam,
(continua a algazarra!..)
Quando os abro,
Um instante de assombro!:
A lua sumiu
Na bruma
Inda
Agora alegre estava.
a sabedoria...
onde está..?
pinga aqui,
cá e lá..
e ninguem alcança
apenas a saudade que lateja
pinga na terra feito estrume

te amava,
a saudade é mais
do que costume
estou hoje como a morte


estou como não vivida

ferida que se abre

morte que sequer morrida

sábado, 19 de junho de 2010

mendiga

Indigência
Precisão
Pauperismo
A necessidade

Pobreza franciscana
Pobre-diaba!

Descamisada
Penúria
Míngua
Falta de recursos.

Pindaíba
Miséria,
Insolvência.

Pobretã,
Miserável mendicante,
Rota, maltrapilha.

Escassez,
Aperto,
Desamparo.
Privação,
Bolsa vazia,
Mendigagem.
Eu e tu -nada sabemos.

O fio que nos une é tão tênue,
Tão desesperançado...

Adivinho tuas mãos - acaricio dedos,
Enquanto sonhas, contas teus segredos.

Entre ceus e estrelas mal dormimos.

O gosto amargo da tua boca - do beijo que não houve,
Ficou na minha, sombra do desejo.

Recolheste-me à solidão infame
Tu, sozinho, recolheste-te ao nada.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Estava preparada. Sabia, desde muito, que era questão de tempo. Alguns urgenciavam a sua morte através de cartas anônimas, abaixo-assinados, mas ela resistia. Agora era a hora. Nada mais retardaria aquele momento crucial.
A forma? Ora, a forma de morrer ela podia escolher. Vários meios estavam à sua disposição: veneno para rato, umas quinze caixas de comprimidos para dormir na mesinha de cabeceira, dentro da gaveta; água sanitária, buscopan, whisky, poderiam fazer uma mistura fatal e ela deglutiria  a morte. Podia se atirar do Viaduto do Chá, podia... tanta coisa. É tão fácil morrer. Ela já tinha morrido algumas vezes, tinha experiência no assunto.
A decisão, entretanto, tinha que partir dela, antes não fosse (alem do trabalhão que dá se morrer, ainda teria que se matar).
Tinha pensado no caminhão de lixo. Quando ele passasse com aquele cheiro fétido e os homens de macacões amarelos recolhendo os sacos de lixo, nem perceberiam um corpo tão magro dentro do saco marrom. Poderiam até pensar que era um cachorro morto. E assim ela seria indiscutivelmente desaparecida do mapa, moída, triturada em seu corpo desamado.
E antes que subam a musa, ela decidiu. Sentiu uma dorzinha no peito apertando, talvez já fosse saudades da vida, mas estava decidida. Não queria ser sentimental naquele momento.
Friamente, apertando  o casaquinho preto contra o peito, num gesto que há muito abrigava seus momentos mais terriveis, decisivos -  Macabéa foi.

o tempo inteiro

o tempo e eu,
ironia.
você e o tempo,
fantasia.
eu e você,
meio-tempo.
nós no tempo,
filosofia.

o tempo meu
em mim
e o tempo que
por mim
passa,
passa, tempo..!

tempo que me tenta,
tempo que me arrebenta.

peço ao tempo:
dá um tempo..!

(me descansa em paz)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Não há sequências, as palavras são simples, o enredo quase inexistente naquela fase da vida. Os desejos invadidos, pressupostos, indecisos ainda se anunciam como gritos de vanguarda. Outrora ardente, Macabéa definhava nas penumbras de uma solidão infame. Mas o sol brilhava, ela sabia. Foi quando o telefone tocou. Uma esperança, um amigo. Um chope, uma saída a um barzinho...quem sabe?

dianoite...noitedia

ainda nem o sol se abriu
e já me anoiteço

se nem me anoiteço
já me tenho amanhecida,
e se me tenho amanhecida

... que fazer?

se o dia me amanhece
e ainda estou anoitecida?

com esse dia que anoitece
e ainda estou entardecida?

entardecida

ainda nem o sol se abriu
e já me anoiteço
(que fazer..!)

se nem me anoiteço
já me tenho amanhecida,
e se me tenho amanhecida
me enlouqueço,

(que fazer?..)
se o dia me amanhece
e ainda estou adormecida...

que fazer
com esse dia que anoitece
antes de me ter entardecida...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

arroz queimado

Esqueceu-se de vigiar o arroz. Safado, queimou.
eu escrevo
tu escreves,
ele, não escreve
A noite não tinha lua. Nem céu, a noite tinha. Um escuro medonho e as sombras das traições aperreavam seus passos solitários pela rua escura.  Andava como um bêbado, tropeçando nas esgueiras calçadas, entre os muros, entre as facas apontadas; era a rua tão deserta, tão gelada...
As mãos dentro do casaco, o cenho fechado, sombrio, amedrontado. E se viesse a lâmina da faca arrepiar-lhe as carnes, soltando-lhe as entranhas abaixo da calçada? Ou algum maníaco depravado  lhe arriasse as calças e usurpasse sua intimidade na obscenidade de um estupro?
Sentia um medo...lembrou-se do pesadelo da noite anterior. Tinha as mãos manchadas de tinta fresca e preocupada em não sujar os bolsos do casaco, mantinha-as bem cerradas, os pulsos apertados. Seus ossos doiam de fome e frio. Ansiava por chegar em casa, desesperada da cidade grande que apavorava. Precisava correr, mas as pernas não obedeciam. Duras, tensas,apenas caminhavam um passo lerdo, quem visse não diria seu interior tão assombrado.
M.A. era a pessoa mais solitária do mundo, com certeza. Não era uma solidão visível, era uma ferida oculta, incalculável. Seu ninho invisível. Seu pai dizia, a mãe nunca disse, não se atreveria, pois sabia que a amava, mas ela sabia que não prestava para nada. Nem para correr se viesse o ladrão em seu encalço.
A solidão era seu único remédio amargo. Hoje era dia de tomar farta dosagem.
Tenso espaço
Me retraio lenta
Denso extrato
ao relento
Dança estranha
Num compasso falso
Trança estranha
Fez o meu cabelo crespo
De um tempo em que as cores me gostavam.
Foi. Era infantil e doce...eu não, eu não era.
estava ausente
e se desembaraçava aos poucos de clarice
fora sua musa, seu destino
"aventurra" psicodélica...
Transferindo tudo para a minha conta.
tantos versos mal feridos, mal amados, magoados...
conta sem desconto, vou engraxar sapato

terça-feira, 15 de junho de 2010

Estava regressando do seu serviço de tomar conta de cães de patricinhas quando elas viajam. Dessa vez, a "patroa" não deixou água potável e papel higiênico. Teve que comprar do próprio bolso, o que foi um prejuízo razoável, tendo em vista que o ganho é irrisório. Foram quatro dias e quatro noites. Mas o bichinho não deu trabalho, estava calmo e só exigia que Macabéa ficasse o tempo todo ao seu lado, não podia perdê-la de vista. Era viciado em olhar pessoas.
Quando a mocinha voltou das praias que ficam distantes, Macabéa arrumou as trouxas, pediu uma sacola chique emprestada, para não ter que atravessar o shopping Higienópolis com aquele saco plástico nas mãos.
"Sibe..." era o nome da pomposa sacola. Colocou dentro a metade da garrafa de vinho que tinha sobrado da véspera - comprado com seu dinheiro, claro, não tomaria o vinho da mocinha, mesmo por que quem não tem água, não tem vinho, o pijama adorado, suas tranqueiras íntimas e pessoais.
Lá, no shopping, decidiu dar-se ao luxo de tomar um capuccino e uma água com gás, limão e gelo. Eu mereço, pensou. Era uma questão de autoestima. So imaginava, porem, quanto custaria aquele luxo. descabido. Muito descabido. Ainda tinha o cigarro mentolado para comprar. Tomou devagar para aproveitar cada gole daquelas delícias.
A seu lado, uma avó. Oh my God, quer coisa mais...mais descabelada (me faltou um termo apropriado - perdoem-me vovós) do que avó? Essa encontrou outra, e as duas ficaram falando sobre seus netinhos, mostrando fotinhas, uma mais linda que a outra, as netinhas.
Esse é lindo!
Não, é essa. É uma mulherzinha.
Ah!
E as crianças tinham essa mania que ela não compreendia: gostavam de olhar para ela, esconder os rostinhos, fazer caretinhas, ficar sorrindo, queriam às vezes até tocá-la. Era um mistério que Macabéa não entende até hoje. As crianças amavam-na. Será que ela tem cara de vozinha?
Com sua sacola de grife, seguiu ela Higienópolis abaixo.
Sabia que um grande futuro a esperava. Não tinha nascido para nada. Desde pequena, o futuro sussurrava-lhe grandiloquências.
O capuccino arranhavá-lhe a garganta como pastilha antiácida engolida a seco.
Estava morrendo e era vendável. O pacote inteiro: pelo, corpo, olhos, dores, antigos amores, tudo por um preço razoavelmente barato.
Se pudesse escolher entre caminhar pelo meio dos prédios amarronzados observando a vida ou morrer,
escolheria morrer.
Tropeçou numa fissura da calçada e caiu de cara no chão. Bem feito! ficava pensando bobagens. O porteiro do prédio da calçada remendada foi solícito e quis saber se ela estava bem, não tinha quebrado algum osso.
- Está tudo bem, levantou-se com os restos da dignidade dentro da bolsa, gracias!
Dali a dois dias saberia que não.
Amara aquele homem naquele instante. Amara qualquer homem que fora delicado com ela. Na verdade, naquela hora, amaria qualquer homem que a recolhesse das lajotas.

flores de palavras

queres palavras fortes?
pois as tenho aqui dentro deste peito furioso
onde elas brotam vindo do esgoto
que as engoliu.

tenho em mim,
dentro dos meus prantos
recônditos não cantados
mananciais e abundantes fortalezas
inéditas, inusitadas, fortes e malvadas.

sou como tu eres.
e se assim quiseres,
vomitá-las-ei...
e do inferno que gerarem
farei canteiros,
beijos, flores de palavras.

sábado, 12 de junho de 2010

À Boba de Clarice (declaração de amor - boba, claro!)

fui te buscar, querida. fui ao cúmulo do universo.
sei das intempéries e do fausto pobre que te cerca...
e do quanto estás só...
busquei-te nas ruas, minhocas e avenidas.
entanto,  protegida pelo sonho de ser nada,
vagavas. eu buscava em cada canto, em cada esquina.
busquei-te como quem busca uma pureza antiga
uma pureza antiga dum verso sem rima.
como quem cata piolhos na ternura de uma crina.
busquei-te e te vi nas incertezas, malas, aviões, e
navios sem esquina. praças, ruas, dormitórios crus,
sem abajours. sem chuveiros de água colorida.

encontrei-te dormida sobre colchoes na calçada.

porque te amo, te busquei insone, em noites mal dormidas,
macabéa, mauricéia, dulcinéia, pessoa sem sentido.

das lágrimas que teus olhos caem fiz-te um vestido branco.
sem nós, sem seda, sem nódoas de tecido.
apenas um vestido travestido da miséria humana.
eras..foste..existes...és! a minha, sempre
eterna, etérea, simples macabéa triste.
transmudas seres...existes... todavia.

(em teu corpo branco outrora residia
um negro ser que te vestia...
á, como te quero antes do passado..
antes do que te vestia, dessa veste branca
dessa veste infame...á, como eu te queria!)

sonhei teus sonhos mas era eu quem me dormia...
era eu...e tu só resfolegavas
as babas do cigarro, catarro de pulmões
que já não vivem...macabéa triste..

na mochila do teu rosto triste
um passado...macabéa que já não existe
fomos, eu para o lado da ventura
tu, alegre sem saber-se - quem sabe um dia? -
encontramo-nos: eu, pobre, tu, do outro lado da avenida.
cercando-nos, à toa o ritmo cego e fútil dessa vida.
embora lúcidas e sobrevividas, sobrevivem tolas, mansas e caídas.
como quem ri, e ri-se à toa, tola, tola... sabe-se tão mal querida.
- ri, amada, ri - que o mundo não passa de uma vala
onde o ser desmaia, a morte desanca a pele louçã dos que - ó!
pensam-se alegres e desmaiam-se, na vala comum
dos tristes! - morte, no íntimo vulgar insulto.
macabéa, triste, digna, hirsuta,
passa com desdem, ora vai, ora vem...
e atravessa o tempo - o tempo...que não tem vivido!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Por entre as cortinas de plástico duro que cercavam o pequeno restaruante para proteger da chuva e do frio,  ela via as pessoas passando e observava cada uma, como era a sua maneira de olhar. Para cada pessoa um olhar pessoal, embora desconhecido. Atenta, observava as faces compungidas, outras alegres, discussões, conversas ao passo do andar. Macabéa Alice praticamente se havia especializado em observar as pessoas. Não tinha a menor noção no que iria dar todo aquele processo, e, embora muitas vezes não visse o que realmente olhava, a pobre ficava lá, sentada, olhando os transeuntes.
O dono do restaurante ficou seu amigo. Pendurava a conta às vezes.
Recebu noticias do lado de lá. O tempo estava bom, embora esfriasse um pouco às vezes, nessa época.
Abriu o pequeno livro que tinha recebido pelo correio. Emocionou-se com as palavras da dedicatória.
Sei que pode parecer absurdo, mas não para quem escreve essa história, mas Macabéa Alice Regina ficou lendo as palavras, na letra firme e máscula, e não acreditava.
Ficou muito tempo a ler o livro que, embora de histórias curtas, era recheado de observaçoes porfundas e interessante sobre o comportamenteo humano.. estava na sua área.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

desabafo transversado


sentimento humano
que me atravessa
sentimento insano
louco e,
por que não dizer...
sentimento
às avessas?/

torpe,
inútil,
vã alegoria
de um passado
triste
volta que não foi
o ido]
tudo -
absolutamente
sem sentido

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Todo o tempo quanto houver pra mim é pouco* (*plágio). Diante de tantos planos, o tempo oprime Macabéa. Do amanhecer até o raiar do dia, ocupa-se em ouvir estrelas, observar o movimento das águas,  em observar o perigo que ronda a aldeia, flertando inconsequentemente com os soldados que passavam de navio vindo da américa. Isso, em 1945. As densas trevas da guerra não anuviavam as suas batalhas interiores.

Já adivinhava, sortidas vezes em agonia convulsiva, os amanhãs que se deslumbrariam adiante, diante do diário em branco.

Deixando para trás a vida, desvencilhando-se do desnecessário, desapegando-se dos supérfluos (cílios postiços, bandeiras da pátria amada, e cintos de castidade), naquele tempo Macabéa fez parte do grupo do construiu as pirâmides, foi uma experiência e tanto. Apesar de exausta, derrubou o muro de berlim e ainda deu uma mãozinha de tinta nas faixas pretas da calçada de copacabana.

Ultimamente está ocupada com um grande invento de autoria de um amigo seu - a construção do flyskate,
um locomotor que vai revolucionar o mundo dos transportes.

Vislumbra do seu pedaço de janela os apartamentos com cortinas, e uns seres etéreos limpando vidros e estendendo roupas nos varais. Era as empregadas domésticas e as donasdecasa.

Depois que desenhou alguns bizões nas cavernas de odorico, visitou o rei salomão e levou de presente um cd pirata do cleyto y cledir (o homem era louco por música gaucha) e ainda, um celular todo incrustado de macasitas. Assim era Macabéa naquele tempo, no Egito.

Tomava banho no açude no Orós toda tardinha, cantando com o Wagner (as velas do mucuripe, ai que saudade...)e junto com o rodrigo faro, está envolvida nos últimos arreglos para o programa ídolos na tv.

"Por trás de um homem de sucesso, sempre tem uma mulher bonita", assim dizia sua mãe. Desde então, perdeu as esperanças. Era muito feia, a pobre. O único adorno de que se valia para encobrir seus seios enormes e disformes era um casaquinho preto que ganhou do maotsé... tung!. Embromava.

Quando esteve no harem do rei assuero, quebrou-se-lhe o espelho. Foi quando virou Alice. O pais? Oras, o pais das macabéas.

O sórdido tempo roi-lhe agora as unhas, indiferente, as pernas fraquejam nas sete léguas que corre diariamente, always com seu diário nas mãos.

Sorry, Maca, o tempo é cruel.
os meus olhos velam
um silencio aterrorizante
os meus sonhos? - dormem,
sabem-se doentes.

não me acordem
falácias inocentes
de um destino breve

não me acordem
versos indigestos
sonhos indecentes

data venia, vãs palavras
salve-se quem possa
eu me quero morta!

Recebo coisas que não entendo. Macabéa entende por mim.Macabéa decifra textos, línguas estranhas e fala as coisas que não quero dizer. Ela, minha amiga número um, declara as fortalezas que contem suas forças e definha as dobras dos lençõis quando os quero limpos.




Macabéa não se aflige, nem tampouco deixa o copo transbordar. Tem juizo. E odeia. Como Deus odeia coisas tambem, e conhece as fases do Juizo Final. É fanática.pende sempre para o lado errado - o do coração. Macabéa não fica triste como normalmente as pessoas o fazem. Macabéa é livre para dizer o que quer e pensar o que pensa. Livre par adescansar num copo de cerveja e não aceitar coisas.



É trivial como qualquer mulher, mas não é igual Não é feminista, não é machista, não é gay, nem hermafrodita. Não tem dias das ma~es, nem dos pais, nem dos namorados. mas nem por isso a aflição é a sua sina. Macabéa é feliz. Zombe quem queira e deboche quem quiser. Macabéa ama e tem coragem de dizer ei, você´api, amo você! E até mais!

Macabéa dorme só, acorda só e toma café na padaria. Pronto, é só.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Não estou fazendo graça, não - dizendo piadas.

Inventei uma dança para dançar minha vida, e as pessoas acham graça.

Que coisa!

Estou apenas tentando viver na balança, entre fatos e lugares que respiram o mesmo ar.

Apenas inventando um diário, umas rotinas de mal feitos a fazer.

Não sei de que riem..de mim? Não sou engraçada. Patética tentativa, talvez possa me assemelhar.

Deixem-me em paz, não julgem, não acenem, nem me trapaceiem.

Deixem os meus azedumes, os meus queixumes, minhas baixarias, micos e adjacências nas portas do inferno que escolhi.
Deitem-me à noite nos seus pensamentos e me esqueçam.
Aqueço os meus sonhos no meu pobre cobertor, e deixo-me ir para as delícias.
Vou dormir os dias que me restam.
Não estou fazendo graça, não - dizendo piadas.
Inventei uma dança para dançar minha vida, e as pessoas acham graça.
Que coisa!
Estou apenas tentando viver na balança, entre fatos e lugares que respiram o mesmo ar.
Apenas inventando um diário, umas rotinas de mal feitos a fazer.
Não sei de que riem, de mim? Não sou engraçada. Patética tentativa, talvez possa me assemelhar.
Deixem-me em paz, não julgem, não acenem, nem me trapaceiem.
Deixem os meus azedumes, os meus queixumes, minhas baixairas, micos e adjacências nas portas do inferno que escolhi.
Deitem-me à noite nos seus pensamentos e me esqueçam.
Aqueço os meus sonhos no meu pobre cobertor, e deixo-me ir para as delícias.
Vou dormir os dias que me restam.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O que você faz, menina, vive do quê? Perguntou o homem meio barrigudo..
Eu escrevo.
Ah, escreve. O que?
O que o que? - perguntou ela, desconfiada.
Uma vez disseram que ela sofre da síndrome da conspiração, então... estava sempre na defensiva. Via binóculos observando-a de cima dos prédios, por trás das cortinas, em meio às transparências das fumaças de cigarro, até chegou ao ridículo de fumar escondida de si mesma, Mas isso é outra história.
Meu diário, disse com ar arrogante e o nariz arrebitado.
Vou escrever um livro.
O homem olhou-a de alto a baixo, o que, certamente não se tratava de um passeio muito longo do olhar em vista da pequeno espaço que o corpo da moça ocupava,  e resmungou um "ah!" desqualificado na escala expressão.
Todos, absolutamente maioria, entendiam quando ela respondia assim. "Meu diário!" - com orgulho e a petulância comum aos que se querem fazer escritores, Mas aquele homem, não. Aquele homem estava mentindo.
Continou a escrever no caderninho.
Depois que tinha escrito as aventuras diárias, de como tinha dado comida aos pombinhos na frente da igreja, de como tinha conversado com a mulher sentada na praça que tinha-lhe contado que era organizadora de eventos, que tinha um filho que trabalhava com ela, que tinha 64 anos, que aos domingos ia montar stands no shoppinga Aricanduva, que sentia dores na perna, por isso andava com aquela bengala. Chamava-se Ester e ficou grande amiga sua.
Em seguida, guardou o material na mocilha .
Como era domingo, as padarias do centro estavam fechadas. A próxima passeata deveria ser a favor de abrir as coisas no centro da cidade no domingo, pensou M. Alice, do fundo de suas masmorrices interiores.
"A coisa que os velhos mais gostam é comer".
Ficou escutando a conversa de uns senhores ricos, sentados no restaurante mais ou menos chic.
Espichando os ouvidos para escutar melhor, Macabéa ouviu-os descrevendo os banquetes servidos nos navios em cruzeiros poraíafora (alguns gostam muito de Fernando de Noronha - não sabia porque - ela mesma achava a ilha muito chatinha), nas poltronas da primeira classe, no luxo das suas cabines particulares,
e, pasmem! até nos seus jatinhos particulares.
Uma vez, mesmo, uma prima convidou-a para comer num restaurante, e ela por modéstia, decência e juizo, pediu o que julgava ser o prato mais baratinho da casa. Miseros centos e sessenta e três reais. Picadinho de filé, arrozinho num montinho, farofinha e uma cumbiquinha com um feijãozinho. A iguaria custava cento e sessenta e três reais. Para compensar, no piano um homem belo tocava tudo quanto é música boa, e ainda tinha o vinho absurdamente francês, sec.
Ela sentiu pena. Não dos homens que gostam de comer, não da prima rica, não dela mesma que faria o mesmo picadinho na sua cozinha por uns míseros vinte reais, para três ou mais pessoas, nem dela tampouco. De um modo geral era a pena que ela sentia.
Das pessoas que sofrem da tal da síndrome da conspiração.
A mulher na calçada (para Macabéa Julieta)

mulher espera
sentada no meio-feio
meio-bonito
meio-fio,
na calçada

transborda
na face
centenas de palavras
(adeuses...)

cansada,
despedaça
nas mãos
congeladas
uma rosa branca -
restos da noite
passada
no meio-fio
meio-feio
meio-bonito
do nada
a mulher espera
sentada

domingo, 6 de junho de 2010

Macabéa se apresenta para o mico do dia: não é que se perdeu na praça?

Total e absoluta desorientação espacial,  foi conhecer a pequena praça, foi até o meio, lá no coreto, e não sabia voltar.Só porque a praça era redonda, Macabéa desorientou-se e não sabia para qual lado ir. Ficou em angústia, a rua estava escura e o medo arredondava dentro dela.

Não tinha transeuntes, nem nada. Para qual lado? Mas não tinha lados...era redonda, a praça.

Era uma casa enorme, e ficava na esquina. Mas que esquina, Macabéa? A praça era redonda, não tinha esquina.

Deu-se conta de que estava perdida, e o frio batia seco arrepiando.

Perdida na praça.

sábado, 5 de junho de 2010

Olha no espelho o contorno da boca
Os olhos na varanda de luz alaranjada
As curvas laterais arredondadas
Rugas que nascem em profusão - é vida.


Nitidamente vê o prato colorido de comida
Para ser perfeito
E o verde que aquieta as cores no quadro.
Carece de amarelo-luz, coloca preto.
"Preto é um buraco na tela" -
Buracos negros nas telas! -  Decreta.

O barulho do mundo atormenta
Quando precisa de paz e silencio
Para deixar crescer dentro dela
A terrível planta que vai destruí-la
E comê-la  farta sanguesuga.

Atrapada na garganta de um caranguejo
(venham , venham, fontes benfazejas,
despejem-se sobejo entre as pernas da adorável Cinderela)

Nada como quem se pretende mar
E oscila entre o perfume e a podridão
O amor e escuridão
Indecisa entre rimas, ora...navega..
Desafios partem ao meio o cérebro
Quer apenas essa parte anuviada,
Tenieblas, párias e poetas.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Eu sei que tenho um jeito de maluca quando escrevo, quando ando, quando pinto, quando penso. Não me importo mais: que pensem! Não me importo mais, já me perdoei. Minhas carências são enormes, sou sincera. É dificil alguem gostar de mim porque sou visceralmente grudenta. Onde há sãos, estou eu, doente, e onde estão todos doentes, estou eu sã. Desfiguro as formas para me situar. Selvagem em busca de abrigo, procuro a minha tribo, e quando por acaso alguem me estende a mão, eu quero o corpo inteiro. - não fuja, não fuja!, submergida entre pessoas que apertam os olhos para enxergar.

Bizarra, estranha, bizonha são os adjetivos que me usam. Permuto risos de vez em quando com os que me suportam. Definho a cada dia, com dificuldades para dormir e respirar - mentira, e isso é mentira, também. Meus personagens desfilam diante de mim o dia inteiro. A cada um dou boas vindas. Um não dorme, outro bebe, a outra sofre, o outro ama, aquele alí desanda os andares do prédio todo com seu cigarro fétido, eu sonho...
Os dias ora se arrastam, ora - surpresos comigo, se arrebentam quando o sol esfria. Somos todos irmãos, escuto e entendo, mas não faço. Tenho preferências, assim como tendências. Sou ruinzinha e terrível muitas vezes, e, assim como criança, confesso e me castigo. O que escrevo não tem nada a ver comigo, não tem. Consigo ser outra quando escrevo, e isso é o que me salva da loucura. Estar sendo outra todo o tempo.

lhando minha boca no espelho, meus olhos na varanda, as curvas dos meus lados, tudo se esgueirando entre rugas que nascem em profusão.
Vejo nitidamente o prato de comida colorido em todas as cores para ser perfeito o verde predominando que aquieta e acomoda as outras cores. Carece de amarelo-luz, mas eu não quero. Coloco preto. "Preto é um buraco na tela" - não interessa, quero buracos negros nas telas.
O barulho do mundo às vezes me atormenta, quando preciso de paz e silencio para crescer dentro da mim a terrível planta que vai me destruir como uma sanguesuga.

Atrapada na garganta de um carangueijo, (venham , venham, fontes benfazejas, despejem-me sobejo entre as pernas da adorável Cinderela que eu fui), nado como todo poeta que se pretende no mar que oscila entre o perfume e a podridão, e amor e escuridão, entre rimas, navego, ora...! Posso, enfim, dizer que sou poeta? Nunca, esse desafio parte ao meio o meu cérebro. Quero apenas essa parte anuviada, tenieblas de la solidão, fazendo-me companhia apenas o que quero: reis, párias e poetas no castelo.

Apelo

Sei na nítida nobreza desse teu semblante
da saudade que persiste.
E embora abundes em festas e afazeres
no teu peito cala, com certeza, essa agonia,
a mesma que corroi meu canto,
arrepia entranhas e provoca calafrios
na carne derramada em sangue.

Misericórdia, imploro, inutilmente...
nada te emociona do que vem de mim!

Nesse apelo explícito e manso,
despejo em versos e lamentos
nos papeis que vejo,
o claro desespero que me arrebenta.

Desfaz, por favor, a incerteza
de não ser a dona desse teu desejo!

O medo implora em póstumos arrepios:

Descansa em mim tuas mãos,
unge-me em calma mansidão
e deixa que em mim disperse-se
as faíscas desse último desejo.
fantásticas mentes
sentadas na frente do computador
arrulhando em versos
solidões enormes
delícia de vida.


cada pedaço

cada partida

cada embaraço

nela contido

delícia de vida

destarte o sofrer

as dores vividas,

delícia de vida.

adendos deleites

prazeres...

perigos à parte

delícia de vida.
Almíscares


Frases de veludo

Sentenças de plumas macias

Rubis inesperados -

Teus versos, meu amado!
é sempre o enfado a guiar os dias. sempre um certo nojo de barata. um chinelo na mão, outro no pé descalço. a barata corre, que enfado...vou atrás do aerosol...que me mata junto com a barata.
os dias passam-se arrastando-se


as bicicletas passam-se esfregando-se

no espaço que não lhes pertence...

os operários passam-se nelas de

volta para casa. 06/08/09 excluir olga

 
 
ventre livre não é uma lei. nem um estado físico...
a imundície recobre


nossas caras

somos zeres ignóbeis

estranhos e raros...

seres humanos. em lama profunda


ralamos as caras

em lodos bizonhos,

desenhos tamanhos,

cavernas...

somos

humanos
 
 
noites são coisas metidas


no meio do céu

que escurece

quinta-feira, 3 de junho de 2010

de essa dor

dessa sede
que me entorta
me apascenta
como ovelha
como ovelha
se me deita
se me enrosca
qual novelo
de lã fina
de lãt tosca

de essa dor
que se me dói
se me instala
no meu peito
se me deita
se me deita

Senhorinha (pronuncia-se com "ó" - aberto)

Emnquanto esteve sentada ali, com os olhos parados no líquido que esborrotava da xícara,  Macabéa Alice chorou. Mas só um pouquinho, era só o que se permitia: duas lágrimas. Limpou com o guardanapo, abriu a bolsa e conferiu no espelho a situação do rímel. Seria o cúmulo desmonstrar a decadência em lágrimas de rímel escorrido, resquícios da maquiagem da noite anterior.

A seu lado, uma "senhorinha" - nome que aliás, detestava, mas já estava encarando a possibilidade de vir a ser detonada com esse apelido (a sensação talvez viesse a ser a  mesma de quando foi chamada de "tia?" -  ela estava em tenros trintanos à época - tia, o que?, nem te conheço!). Cabelo avermelhado, uma flor dessas, sei lá se de plástico, o quê, acima da orelha esquerda, olhava-a atentamente. Inquieta, Macabéa virou um pouco o corpo para o outro lado porque, a bem dizer, o que queria mesmo era comer seu pão com mortadela em paz. Mas a criatura não tirava os olhos dela. - Sei lá,! - decidiu Macabéa. E comeu seu breakfast.

Quando levantou para pagar a conta e tomar seu rumo, a senhorinha acompanhou-a com o olhar. Já se sabia intrigante, mas aquele olhar acompanhou-a o resto do dia. Na verdade, ela estava curiosa para saber  o que a mulher tinha visto nela: talvez a manga do casaquinho preto suja de café com leite, as migalhas de pão caindo-lhes na gola, o jeito sôfrego de comer...alguem vindo de um passado esquecido, uma ex-qualquer-coisa...

 "- Sei lá..."

quarta-feira, 2 de junho de 2010

descendo o dia

Macabéa não espera o ódio prorque ele nunca vem. Não entende o ódio, porque fala de si, como se tivesse aprendido a odiar apenas a si própria. Está isenta do ódio ao próximo, entretanto nada a impede...

Repudia os versos escitos no guardanapo, joga no lixo, e vai em frente.

Um pouco de desilusão, a aparência agora descarnada, osso e pele, continua vaga pelas ruas, à revelia. Domesticável nesses últimos dias frios e chuvosos, quieta e passiva, aguarda o contragolpe corajosamente. Não implora nem perdão nem aplausos, espera o contragolpe corajosamente. Sabe que tudo é passageiro, muito simples. Sua alma estará sempre aflita, talvez seja o seu feitio - evapora-se, dissipa-se nos dias, atravessa ruas e avenidas, ainda, na doce lassidão de quem não faz, não fez.

As mágicas perspectivas tornaram-se assombros.

Macabéa de guerra está quase vencida, mas um resistente apego à vida ainda impele, empurra, e no seu passo curto, ela vai. Vai, vai, Macabéa, não desiste.

Lambe os beiços com gosto de ressaca, acaricia o velho casaquinho preto e sobe a escada rolante do metrô.