quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Sei que essa minha desesperança, essa descrença nos homens, essa amargura mal disfarçada, essa alegria forçada, tudo isso, talvez desapareça. Por mágica, talvez. Se o dia clarear e me fizer diferente. Um novo ano, um novo dia, uma vida nova...talvez. Não tenho a menor fé nessa coisa. Cantem, dancem e me façam acreditar, porque, na verdade, não acredito. E essa falta de fé me faz, não, não me faz triste, apenas me faz ausente, e esperante em Deus. Naõ espero nada de vocês...podem ficar dançando e brincando, deixando-me aqui nesta solidão que já é minha amiga. Escondo-a em qualquer canto, sim, até dentro da bolsa levo-a comigo. E podem brindar saúde, alegria e paz.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Salvada da enchente (a velha águia)

sobrevivente da enchente (velha águia)

O que sei não cabe num dedal, a diferença é que entre mortos e feridos, me escapei com vida e tenho-me aqui inteira, com meu casaquinho preto vestido do avesso, meio sem sentido, pasmada entre as palavras, enquanto observo um céu mudo de estrelas escancarando água. No entanto, o espanto e o imprevisto são armas de dois gumes postas na aljava dos cumes onde dorme a velha águia. Seus olhos não fecham para a escuridão.

Munida de um guarda-chuva furado, saiu da cobertura que a protegia e desabou na carreira pelo dorso da rua inundada. Era a águia. Pele de leão num esforço gigantesco de conter o vento que a arrastava pelas correntezas e açoitava-lhe os membros que moviam-se furiosamente como se nadassem.

Surreais, passavam ao seu lado o corpo de um cachorro, um velho morto boiando, sons de um grito e a corrente arrastava tambem móveis e utensílios. Era o fim, pensava, enquanto debatia-se furiosamente entre os destroços. Procurou e, do que era a casa, encontrou apenas agora a ponta da antena parabólica que ficou no telhado. Num impulso, agarrou-se à antena, enroscou as pernas nela, mas o vento fortíssimo levou-a com antena, casaquinho do avesso, guarda-chuva furado e tudo.

Nunca mais se soube dela, mas, provavelmente, se alguem se der ao trabalho de ir em busca do seu corpo, vai encontrá-lo no meio do Lixão, afiando os olhos entre os destroços da sobrevivência, sempre agarrada ao seu velho guarda-chuva furado.

sábado, 26 de dezembro de 2009

"Você roubou meu personagem" (Boa-noite Cinderla)

Fechou o livro sobre a mesa de um jeito que poderia ser simples, mas não era. As maõs juntando-se como em  oração num ritual lento e solene, pensou mais alto do que deveria: Oh My God! Aquilo lembrava o gesto de um juiz que depois da leitura dos autos tem que declarar a sentença aos réus. As tensões que estiveram em suspensão de espírito durante a leitura do volumoso livro libertaram-se e puderam correr sem impedimento pelo rosto limpo de maquiagem.Acariciou com as pontas dos dedos a capa preta macia e suavemente ilustrada do livro. Uma dúvida: ultimamente parecia que as suas partes mais ínteriores estavam se desintegrando, como um bolo que desunera. Até mesmo as diarréias estavam tornando-se sistemáticas, incomodando-a, aborrecendo-a, faziam parte desse processo de desfazimento. Fragmentos de personalidades haviam-se aderido irremediavelmente à sua pele, à sua carne, tinham-se-lhe aderido até à medula, na raiz dos ossos. Eram uma. Divindade e deus. Respiravam o mesmo ar, dividiam os fantasmas e os sonhos que ditavam ambos delírios e razões.

No entanto, dessa vez as lágrimas eram só dela. Ela sentia realmente com ardor a morte da personagem. Do jeito que foi, como não sentir? Atrapalhando o tráfego, deitadinha na posição fetal...Como um filho que morreu num lugar distante e você não pode tocar o corpo, fazer respiração boca-a-boca, barganhar com o diabo - minha vida pela dele, - nada! Dessa vez o choro era real, embora aderido de outras dores, corpo já obeso de suas próprias.

Os óculos surgiram rapidamente vindos do resultado da busca frenética dentro da bolsinha preta, infinito depósito das versáteis máscaras.

Não entendia até a presente data o ritmo das suas lágrimas - elas corriam mais rapidamente do olho esquerdo do que do outro. Sempre percorriam mais rapido o caminho até os lábios. Absorta nesse estranho itinerário das lágrimas, ouviu um som estranho vindo da mesa ao lado. Um cachorro vomitando? Não, era um homem chorando. O corpo balançava visivelmente descontrolado. Aquilo era um choro impressionante, muito, mas muito superior àquele choro de terceira categoria que ela acabara de brecar de forma súbita ao sentir-se sobrepujada, usurpada. Olhou para a frente, para os lados, para trás como quem diz "ei, ninguem vai fazer nada?..." Os garçons, impávidos diante dos chorões de plantão, nem estavam aí para o homem. Não se preocupavam mais com esses chorões de bar. Ela mesma, nunca, nunca, tinha sido contemplada com a menor parcela de simpatia ou a minima mesura de misericórdia.

- Mentira. Os garçons eram sim, dignos dos maiores encômbios - nunca lhe deixavam de copo vazio. Isso era misericórdia.

Percebeu que o homem não estava sozinho. A mulher ao seu lado tentava desajeitadamente consolar o pobre coitado, mas ele recusava. A mão dela parecia vítima de um choque cada vez que tentava tocar o ombro dele. O caso era de lástima profunda. Sentiu inveja daquele choro. Uma súbita constatação da obscuridade do seu medíocre, hipócrita pranto, recolhou-a para trás da cortina dos óculos escuros.

O homem punha a mão sobre os olhos, não para impedir as lágrimas, mas sim para impedir que se formasse uma poça dágua debaixo da mesa. Os garçons continuavam impávidos, com seus olhos de garçom que só veem lá, muito lá adiante. Elas (ela e moça) sentiam-se vexadas. Mergulhou os olhos no fundo do copo de cerveja onde as bolhas pareciam lágrimas.

Num lance, lembrou que sabia consolar homens. Umas duas ou três vezes tinha sido bem sucedida. Então pensou que poderia aconselhar, que fizesse o seguinte: colocasse as maõs sobre os joelhos, abaixasse a cabeça, olhando fixamente para o chão, com ar consternado até que a cena terminasse. Assim faria a protagonista. Mesmo que seja a sua derrota, protagonize, filha! Ela mesma continuava com os olhos afundados no fundo do copo.

Dali a pouco o homem levantou-se, a moça o seguiu (houve algum acontecimento que ela perdeu - como pedir a conta, pagar a conta, etc). Atravessaram a rua. Bem defronte ao bar, naquela noite de domingo, acontecia um baile domingueiro. Era um baile da melhor idade, do tipo das antigas, quando o mancebo tirava a moçoila para dançar e eram felizes para sempre. Foi para lá que os dois se dirigiram.

-- Bom, pelo menos dançando a gente esquece, pensou ela, já filosofando sobre a vulgar arte de sobreviver ao pranto. Mas antes que adentrassem às cenas do último tango em Higienópolis, onde o rebanho já estava reunido em fila, o homem voltou subitamente para a mesa do bar, apanhou o sanduiche e o refrigerante sobre a mesa e voltou para a calçada das estrelas já abocanhando vorazmente o lanche. Ela agora esperava no primeiro degrau da escada da fama. Os dois refeitos, com certeza, depois iriam dançar até meia-noite.

Oras, bar é para isso mesmo - encher a cara e chorar. Mas o homem, já teria vindo de cara cheia? Sei lá, pensou alto demais. Desfez mentalmente a cena, deu de ombros, retirou os óculos escuros que recolocou na sua caixinha de pandorinha, pagou a conta, agarrou o casaquinho preto e foi-se embora toda disposta a percorrer os mil metros que a separavam do hotel. Esses episódios enchiam de energia seu próximo personagem.

The Book? Ôh, the book is on the table!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A GRANDE MACABÉA

Sentada diante da garrafa de cerveja, o rosto afogueado, os olhos brilhantes, a versão de Macabéa. Quem a visse não adivinharia que caminhou desde o Itaim Bibi (da Tabapuã) até o Higienópolis (Veiga Filho). Mostrou ao garçom no mapinha que carregava consigo indicando com o dedo a proeza que tinha acabado de realizar. O moço estava realmente impressionado. Uma senhora daquela idade! Macabéa maratonista. Fashion. Nome de marca: macabéa.com.


Atravessou casas, ruas, bairros inteiros, mendigos, viadutos, bares. Obras, operários, carros, tapumes, e mais carros. Uma passarela gingantesca quase no fim da jornada. Respirou com força e fez ritmo de campeã, com o contrato assinado debaixo do braço, a bolsa "perto do coração selvagem", e o casaquinho preto pendurado para qualquer eventualidade.

Outrora morta agora era glamour, um pouco mais velha e salvada do incêndio que destruiu pequenas partes do seu corpo. Sobreviveu às forças. Então sentiu pela primeira vez o cheiro de um judeu (cheiro de Deus, pensava ela, que tinha mania de cheirar tudo). Eles vinham na direção contrária e ela inspirou bem fundo e aproximou o nariz do braço do jovem de camisa branca e calça preta. Adorou aqule cheiro. Really! Tinham dito que "eles" tem um cheiro peculiar. Já sabia do cheiro de diferentes raças: pretos, brancos, amarelos, asiáticos, africanos, nordestinos e até de ingleses, mas, de judeu, nunca! Foi o cheiro que mais gostou, enjoyed! Foi pertinho do cheiro de Deus. Blasfêmia? Não sabe.

Atravessar preconceitos é o mais difícil, pensava Macabéa. Atravessar corações é duro. Mas, se não conseguir um lugar na poltrona dos nobres, pelo menos um lugarzinho na platéia...

Impotência. De repente buscava palavras para substituir a simplicidade das suas. "Abraçar a irrelevância". Fazer arte pela arte.

À parte as bananas que fcaram esquecidas em cima da geladira, nada mais a preocupava. Sim claro, tinha que produzir alguma tela, uma que fosse. A galerista pressionava.

"Na cidade há setenta mil pintores, disse a senhora". - Setenta e um mil, completou Macabéa. Era apenas mais uma com pleno direito ao exercício de sua liberdade. Diferente do papel daquela mocinha inserida no contexto, cujo papel era a fotografia. Muito rímel e sobrancelha pálida, batom rosa e pó, muito pó, para que o brilho não saisse na imagem.

O homem na mesa ao lado furava com o dedo um buraco enome no pão onde entupia as coisas que iria comer (a casa do João de Barro). Um outro falou "deu borboleta". A mulher sentada à sua frente comia com muita disposição um prato de "strogonoff" de frango, uma montanha de arroz e outra de batatas fritas. Macabéa pensou "deve ser o aniversário ela, qualquer coisa comemorativa, pois ninguem come assim tão desavergonhadamente um monte de gordura, a não ser que seja uma data muito especial.

Uma simpatia súbita e espontânea emergiu daqueles contatos. Nada  alem disso.

Macaéa então pensou: vou pintar uma série de quadros pequenos e vou chamá-los de "Objetos Gritantes", em homengaem a Clarice Lispector, e o primeiro vai ser um ovo.

Macabéa que não era nada na cidade grande, apenas pagou a conta.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

BBB (o SILENCIO QUE ESBOFETEIA)

Depois de tudo o silêncio recompõe-se no encontro entre as palavras mortas e a folha em branco. Se ao menos se chegasse a um consenso, um lugar comum, num lugar onde houvesse o verso. Mas não, tinha que percorrer a distancia entre o dia e a dor que ele prescreve em matéria de desencanto, até o tempo em que despertes para desaguar os pesadelos da noite mal dormida nos lençois ainda úmidos da espuma da esbórnia dos teus sonhos sórdidos.

..........



Hei que prescindir do bem e degustar as palavras como elas me vem enquanto espero. Afinal é minha história que escrevo. Com toda a falsidade que lhe assenta como uma luva da verdade. Mas, ainda assim, o silencio me persegue.



...........



A loucura está de sobreaviso e estende-se convidativa como um tapetevermelhodafama na corda bamba, pulsando um sanque de insanidade fria. Um passo em falso e a voracidade do verbo subtrai-nos com sua enorme língua cheia de nódulos, escarros e varizes, para depois cuspir-nos pedaços, fogos e estilhaços no árido deserto de um picadeiro. Cuspe invertido, jorro de palavras repletas de inferno.

- Ora, deixem-nos!



...........

(Esquece, não vou lavar tua roupa suja, teus lençois infectados de líquidos bastardos).

............



Pardo, isolado no escárnio e na crueldade alheia, o corpo frágil debruça-se perigosamente na imensa solidão que o silencio esbofeteia.

Tenis Fidelis

Tenis Fidelis


Tirou o par de tênis de dentro da caixa e o beijou/Sim, um ato de idolatria/ impuro e às escuras do Deus que tudo vê/ Onde a levaria, o tênis?/ Às estradas que a seguiam/onde quer que ela fosse/onde quer...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

nada de novo no tédio

Avassalador. Apenas duas bananas apodrecidas em cima da geladeira, e a plantinha que a mãe deu de presente, murchinha, murchinha...Ela perguntou: você deixou a planta sozinha, sem água? Não, ela não perguntou se ela estava sozinha, com sede.


Era sempre assim, um viés, um atalho, mas nunca, nunca, a verdade. Ou não havia verdade - a segunda hipótes! - grita o coro emburrecido. Coisas e balangandãs são muito importantes para ela. Oh, ela! Almodóvar, Woody Allen, alguns scripts do Véio China, e a cena estava perfeita. Apenas o Penny se salva nessa história, e algumas adjacências mal faladas do pobre corpo, já tão esquecido há algumas horas, jogado alí, em cima do tapete...sem coberta alguma, apenas nu, como a alma estava - ainda poderiam sobreviver. Uma vez ela pintou tanto a cara que ficou parecendo uma índia pronta para a guerra, apesar de índia não usar pintura de guerra, ou usa? A comparação pode ter sido infeliz, horrível mesmo, mas ela não queria ficar parecendo aquela coisa, sabe, aquela inominável para a sua mãe. Ela não era, nem pensar...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

fino extrato


melânias ardentes...



avesso estranho,



destempero de quem vem do sol...



onde a chuva não corroi desejos.





gritos...centelhas...morte,



mel e sal -



seria perfeito se o teu corpo adivinhasse

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ESCONDENDO A CARA ÁS TAPAS

Por um tmpo preciso de descanso para reunisr forças. A avalanche quase me engoliu. Vim de mares e estou mortalmente ferida. Ariadne, sei lá de onde tirei isso. Deprimida é pouco para classificar como estou me sentindo, mas tenho esperança que  o dia desenrole outra forma de sentir e eu vença. Como sempre, eu vença. Etou acostumada a vencer tudo. É muito esforço, ma consigo. Estou lendo "Clarice" de Benjamin qualquer coisa, esqueci no momento. O livro é tão gostoso, tão bom, tão bem escrito, que li até a  metade e comecei outra vez, estando novamente na metade.
Para onde me viro sou bombardeada, e essa impressão de náufraga já está me avassalando outra vez.
Eu sou o Lobo Mau, Lobo Mau, Lobo Mau..."
Não havia apenas um, havia vários, todos muito brancos e de olhos claros. Raridades. Absolutamente claro que ela estava na floresta. A bela floresta de pedra onde se perdem quantas princesas...e até rainhas maduras, vítimas dos seus encantos.Um homem seguiu-a por várias quadras. Talvez pensasse que era uma "moça fácil", talvez uma carona...Realmente, ela andava como que despregada do solo. Estava um pouco bêbada. E não tinha a menor idéia de onde estava. Moema. Era...e daí? O que tinha a ver com o lugar onde ela estava hospedada? Bom, de qualquer forma o motorista do táxi exorbitou no preço. Tambem, não era para menos...ela foi cantando Gracias a La Vida agarrada ao casaquinho preto. Que mais?...
Noites em bares e até saraus podem ser muito perigosos. Bem, ela estava mais para vovozinha do que para chapeuzinho. No entanto, enquanto seu Lobo não vem, decidiu que não iria mais deixar a vida passar sem que tomasse alguma atitude heróica e de resistência (como gostava de dizer), tal como atravessar uma cidade como aquela, sem saber as horas, sem saber onde estava, nem bem direito para onde ia. Mulher de sorte, tinha algum dinheiro na bolsa. Salva por um lobo.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Versão(verso grande) da Terceira Idade
(dedicado a uma pessoa que ficou tetraplégica e sofre muito numa cadeira de rodas, porque só lhe resta a Internet, com muita compaixão)
.....................................
Não sou bonita nem jovem
Mas o meu feitio
Talvez restabeleça
Algum olhar profundo
e resista...
Algum lampejo
Que, a olho nu,
Você talvez não veja

Enquanto eu fora um mistério,
Tudo bem...!
Pero ya no soy...
Que mais tu queres,
Anjo Meu?

Que volte o tempo?
naõ carece.
Que meus olhos brilhem como
os teus?

Te quero apodrecido
com teus olhos
E a podridão
coma os teus ossos
como comerá os meus...

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

DECIDIDUM EST

Entrei de cabeça num projeto que se chama "Amar São Paulo", por muitas razões, uma das quais, a maior, é que resolvi morar aqui. Há muitos lugares que amo, mas amo São Paulo mais que todos. Percorrendo a cidade a pé pelo adorável bairro de Higienópolis que o Véio China descreveu com tanta galhardia e propriedade, ando me encantando com as idiossincrasias dos elegantes moradores do bairro, à exceção de uma certa mania que os viventes do prédio adotam como contumaz, que é soltar pum dentro dos elevadores, seja o da frente, seja o de trás. A princípio tomei o gesto como sinal de desprezo pela minha figura mais que perceptivelmente nordestina, depois entendi que eles são "blasés", uma espécie de consolo que me permito. Aliás, paulistano é blasé, ou isso é nome de raça de cachorro? Preciso mudar de bairro.

Portanto e apesar, decididum est: a cidade adota mais uma nordestina. O diferencial, como se diz em entrevista para emprego, é que não vim aumentar o contingente de trabalhadores da cidade grande, nem pegar da pá para construir esse prédios enormes. Para mim está tudo perfeitamente bem disposto, e é assim que gosto. Umas pequenas mudanças para adaptar esse meu corpinho em algum lugar e...pronto!

Apesar de não muito letrada e desorientada longitudinalmente em relação a uma porção de coisas, tenho algumas relações de amizade aqui, uma parentada razoável (benditas distâncias da cidade grande que não permitem aconchegos exuberantes e tediosos domingos de lasanhas misturadas ao jogo do Corintians), então posso me ajeitar num canto e ficar aqui até que o tédio balance de novo as estruturas das minhas errâncias.

Seja eu bemvinda ao espaço grande onde sempre cabe mais um, aos saraus e às Galerias de Arte, Museus e outras cositas más que fazem o meu gosto matuto, alem, claro, do indefectível café da manhã na padaria...

Amo...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CHOVE CHUVA

sabores perdidos
macabras agonias
de uma chuva impertinente
na cidade grande

solidões
e a mulher incrivelmente magra
que eu queria ser...
desfilam na face
dos toldos de plástico

e a chuva cai...

Cidade,
como, a ti, te pertencer,
e me entregar inteira?

SCRAMBLED EGOS

Sei que é assim que funciona. Essa letrinha de máquina de escrever é tão familiar. O meu é meu, o teu é teu, somos apenas semi-deuses enclasurados em frágeis rochas de cristal, com medo que alguem quebre o nosso sonho de perfeição, de felicidade, que é tão infeliz. Não, não me faça enxergar alem de mim, pode ser extremamente perigoso, não vou saber lidar com a janela aberta, a chuva entrando, ou a luz apagada, ou a falta de luz. Não vou poder lidar com o caos que pode ser a palavra errada, nem tampouco vou poder lidar com você, estranha, circulando em minha casa, sitiando minha liberdade. Tenho vontade de gritar "vá embora!" mas não posso. Você é parente, tenho que sair bonito na foto. Tão boa, tão hospitaleira...Mas estou me sentindo tão mal. Espalhei minhas coisas em todos os armários, ocupei todos os espaços, para que os hóspedes não tenham que colocar suas coisas bem arrumadas em espaços devidos, não...e não se sintam muito em casa, senão eles ficam para sempre. Tenho medo. E sabe o que gostaria de colocar mesmo na porta da minha casa?: "NÃO HÁ VAGAS'.
É preciso mais do que isso, no entanto. É preciso que eu tenha coragem de dizer em voz alta: não quero saber de você, você não me serve, não tem utilidade nenhuma, o que fazer com você. Como me sinto mal com você tocando nas minhas coisas, usando as minhas roupas de frio, abrindo minha geladeira, usando meu gás, minha luz. Atendendo o telefone, imagina...
Por favor, não atenda. Deixe tocar, não atenda. E nem pensar em dar meu número por aí...

domingo, 6 de dezembro de 2009

Nada transcede

Apenas expectativas. Às vezes murchas, e são vãs. Às vezes vingam, e espero de maneira neutra um sucesso ali e outro acolá. Maneiras fúteis de passar o tempo, arrolando material para novos escritos. Comédias são o que mais me vem. Somadas às tragédias, estou sem forças para escrever os versos hoje.
Distantes as sombrasque perseguem o meu caminho, deixei-as abandonadas no meio da estrada verde que cingia a entrada do aeroporto, fiquei perdida, sempre nesses rumos estranhos que permeiam meu cansaço, minha lida em busca da felicidade. Quem podediscernir assim seu próprio andarilho, descabelando versos bobos, inocentes, terna adolescente de coração aflito, eterna aberta em chances para a vida. Coragem e força talvez não me faltem, a vontade é que fraca, fraca...

sábado, 5 de dezembro de 2009

A VIAGEM

Daqui a pouco. Às 10 horas. Viagem para mim, há alguns anos, deixou de ser prazer. O Dr. Freud já me explicou por que, o chato é ter que viajar assim mesmo. Todas as pessoas que conheço se enchem de energia quando falam em viajar, ao arrumar as malas, fazem planos. Eu apenas vou. Como uma vaca solene em direção ao matadouro. Uma ovelha para o sacrifício. Mais uma vez, uma maneira de me sentir pária com uma boa desculpa. Escrevo e leio muito durante aos viagens. Para onde vou, principalmente. Como todas as lasanhas, vejo todos os filmes, leio todos os livros. Livrarias, museus, galerias. E a volta...a volta é terrivel...deixo muito do meu ser. Sempre volto meio vazia e murcha. Estranho: ao invés de somar, eu me divido nas viagens...volto menos, apesar de comprar mais, ler mais, beber mais, comer mais, escrever mais...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Apelo

Sei na nítida nobreza
desse teu semblante
da saudade que persiste,
e embora abundes em sorrisos,
festas e afazeres...
no teu peito
cala, com certeza,
essa mesma amargura
que corroi meu canto
num desejo insatisfeito

E o teu olhar de desprezo
arrepia entranhas
e atinge as vísceras
derramadas em carne e osso
vulgarmente ao solo
da minha estupidez

(Misericórdia, imploro!...
inutilmente!...
nada te emociona
do que vem de mim)

Nesse apelo explícito e manso,
quero...
e despejo em versos e lamentos
nos papeis que vejo
o desencanto... a nostalgia,
claro desespero que arrebenta
e desfaz as incertezas de
não ser a dona desse teu desejo

O medo implora em último
arrebatamento:
descansa em mim tuas mãos
ungindo-me tua calma mansidão,
e ama-me!

esperança

Talvez a nostalgia
se desfaça
num único lio...
num último nó

essa tristeza vadia
de quem não teme o dia
não sonha à noite
não conta as horas
não tem mil amores

essa ousadia
de viver tão só...
talvez acabe
como o relogio sem pilha
de repente se vá...
como La Nave,
quem sabe?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Carol foi visitar as nuvens

Carol foi fazer uma visita às nuvens. Era de manhã cedinho...tinha muita vaga. Sentou-se numa delas e ficou, contente, a balançar-se no colchão fofo da nuvem macia, a balançar-se...balançar-se...

E olhando o mundo lá de cima (outra visão!) Carol pensava: o que muda a minha ausência ou presença nessa terra tão pequena? Não importa.E Carol refletia ao som de um eco profundo que vinha de cima, de um lugar sem esperança:

- Nada...Carol, nada!

Sentada na nuvem, talvez ocupando o lugar de um anjo que acordava, Carol matutava: - volto...ou nada?

O colchão de albergue era tão macio, perfumado, algodão doce.. sonho de criança, Carola ainda relutava:

- Volto?

Tinha escolha?
Claro: Carol se despencava.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Vamos aos poetas!

Sento-me ao longo da chair e respiro fundo: onde estou? Em casa, fulerage, diante do computador, sua velha ranzinza e vaidosa. E ruidosa, ainda por cima. Chega em casa, já tarde da noite, umas nove horas, liga a tv, todas as luzes, o pc, e ainda fica ansiosa. Come o velho macarrão com seu vinhozinho tinto e estrala um ovo. Refeição completa...vamos aos poetas!

Cansada de guardanapos

Cansada de guardanapos
escrevo agora em trapos
que podem se espalhar

quero meus versos
nos quatro cantos da terra
espalhando antigas quimeras
quero meus versos, quero...!

e se do insólito
voarem e alcançarem
o céu estrelado
eu direi:
- oras, ouvir estrelas,
estou é bêbada!

mas não há no mundo
quem consiga
tamanha disfarçatez
pois alguns os fazem tortos
eu os faço de uma só vez

Quero meus versos, quero........

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

os dias passam...
as bicicletas passam...
os operários passam-se nelas
Principalmente o rosto
era de extremado cansaço

Um detalhe aqui, ali e o velho traço
do moço estava no rosto desencarnado.

Uma peça de roupa, um chuveiro ligado...
desânimo partido em cem milhões de pedaços.

Era um velho-moço desistindo da vida
Um cansaço estúpido,
vindo assim...do nada!

A tv poderia ser ligada e o mundo
quiçá outra vez lhe pertencesse...

Que nada...apenas a bala na cabeça!

Desprezivel (homenagem à trois)


  • Escrevo...horas a fio...
    Há modéstia no que digo?
    Há certezas na minha fala?
    Não, apenas digo o que cala
    E os segredos que desvendo
    Somente minha boca sabe

    Densos, tensos versos ecoam
    E nas verves que respondem
    Com despeito e nem ao menos
    O som dos gritos respeitam,

    Calo-me!

    Sempre estarei aonde
    Estejam meus amores,
    Nada impede...
    Por enquanto, o curso do meu rio

    Sou, e em ser apenas somo
    Ao universo infinito
    Um ínfimo átomo,
    Um eco dos seres
    Que em mim,velhos, habitam...

    (Pasmem!)
o meu rei é feito de vidro
principalmente o telhado
(ele é careca)
sem ardências...nem aderencias
nem grandes sabores,
cheio de defeitos,
o meu rei se quer perfeito
e não me quer,
que ironia!...
eu também não o desejo:
- e chega de conversa!
senti-me heróica e resistente
na última vez...
na tua voz insistente
noites são coisas metidas no meio do céu que escurece

eu queria uma varanda aberta para a lua

quando entardece a gente morre um pouco.
e quando enluece, será que enluamos...?
e quando anoitece, quando
acontece de fechar os olhos,
sem sabê-los abertos no outro dia...
anoitecemos?

isso é fé.

empacoto versos com cordões lilazes e de outras pratas.
versejando em trotes vãos, a festeira que sobrou na varanda,
vestida no lindo vestido amarelo.

e a lua segue indiferente, cheia,
indiferente...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Vociferas inútil. Nada de novo debaixo do sol, repito. Em algum lugar discutem o modernismo, todavia.

Um brinde aos presentes/A Partida

Chorou amigos,
amores...parentes...
e partiu...
levando simplesmente...
coisas!

Caixas embaladas...
malas... etiquetas...
pontes...rios...
cruzando os destroços...

- Coisas!..

Ergamos um brinde:
aos presentes!
cheios de vergonhas...
parentes...amores...
pontes cruzando os destroços...
cheios de passados,

Ave!

domingo, 29 de novembro de 2009

Até agora, nada.
Com ressalvas de partir o coração desculpou-se by email e me pediu perdão. "Quis ofender não"... Era apenas a tentativa de trair mais uma vez; e antes que o sol se pusesse na estrada, ele se foi. Ficou de voltar no outro dia...não voltou. Pergunto ao vizinho: continuo esperando?
o sol de meio-dia responde com deboche, me queimando. É câncer.
Inútil espera, pois sei que quando a espera é longa o cansaço avança e ganha a batalha. Na queda de braço, o cansaço ganha. Por isso me despeço e desisto. Isso, ajuntado ao tédio do domingo me deixou sem fala: herdamos, eu e as meninas, uma série de domingos insosos, dos quais nao sei o pior. Vieram em caixas, embrulhados para presente, e abrimos contentes pensando em coisas boas como churrascos, cerveja, cachaça, música e alegria. Nada...apenas uns domingos de temperatura elevada como sempre.
Não vieram os namorados nem as moscas indiferentes para beliscar as carnes. O som vinha do vizinho, da cobertura. Ficamos a sós, e eu, principalmente, que não sou dada a solidões, escancarei a voz e gritei as palavras da música que tocava.Depois tive que pedir perdão tambem. Esse domingo está sabático. Tantos perdões...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ok. Mais um dia terminando. Fazer as malas. Eu odiaria. Fiz compras no mercado. Comprei coisas de comer, de limpar, de ferver, de cozinhar, de usar. Durante uma semana terei o que comer e beber. Chega de vinho barato - a la chase! Comida japonesa, lasanha congelada, sardinhas enlatadas e muito macarrão a bolonhesa. Plano de vida.
Não, me venha falar "ah que delícia", você não comeu nada disso!

Poema Elisa Betano

Desfaço do tempo
o tempo enganado
não passa de heroi
herói atrasado


Desfaço da lua
que brilha no céu
não passa de estrela
que mata o passado

Desfaço do homem
que me enganou
e da mulher mui bonita
que meu homem levou

Desfaço do prato
do pão de cada dia
e cuspo na mesa
que o diabo aprontou

Desfaço da noite
e suas insônias
enquanto os gritos
embalam meus sonhos

Desfaço a feiura
com traços e formas
que faço no espelho
que aos poucos deforma

Desfaço do vento
que assanha cabelos
e levanta as saias, e
mostra as vergonhas

Desfaço as vergonhas
que o tempo assumiu
e desfaço os nós
no caminho senil

Elisa.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Home sweet home

Cheguei em casa. Lar, doce lar, o que me resta. E, para espanto de todos, é doce mesmo, é lar mesmo: há roupas de molho no tanque, o lixo ainda está no baldinho, não tem nada comestível na geladeira, alguns pares de sapatos se amontoam na sala, a tv ficou ligada, a toalha branca está suja de rímel, a escova de dentes jogada na pia do banheiro. As janelas abertas, o computador empoeirado (vida curta), uma lata de red bull vazia em cima da mesa de jantar,
um pano de chão enegrecido de sujeira na entrada da cozinha, alguns copos para serem lavados, bananas podres fedendo em cima da geladeira. O par de tênis preso à janela com prendedores azuis, postos a secar.
Nada insólito, à exceção de um odor desagradável (leia-se cheiro ruim) saindo do banheiro que não é lavado há ages. Água sanitária resolve. Tchum e tchum. Banheiro lavado.
Não quero tomar banho hoje. Não vou tomar. E que se dane o mundo e seus conceitos estranhos de limpeza. Quero ficar suja, e daí? Quem me impede?
E não vou sair para comer, vou dormir com fome, quem me impede?
Ademais, tomei uma solene decisão: ninguem virá à minha casa. Se alguem telefonar, tipo assim: estou indo aí te visitar, vou responder simplesmente: venha não, estou de saída.
Vou criar baratas, adotá-las, por-lhes nomes e criá-las até à universidade. Formigas, de monte, serão minha legião de assistentes.
Vou virar uma ermitã, e vou criar lagartixas, essas coisas asquerosas que se esqueiram pelas paredes.
Ratos...? Never!
O sacrifício talvez me satisfaça. Talvez valha a pena...

Eu e Clarice

O que me aborrece não é a "comparação" com Clarice. Sei que é deboche, na maioria das vezes.
O que me aborrece é que eu mesma me sinto muito Clarice Lispector e não sei o que fazer com isso. Ainda bem que não parei na Alice do País das Maravilhas. A necessidade de me identificar com um ser humano deve ter levado a esse exagero de identificação. Querer ser clone de alguem grande é doença psiquiátrica. Imagino-me num asilo de velhos daqui a algum tempo, andando pra lá e para cá, com um cigarro na mão e queimando colchões diariamente: "Sou Clarice, sou Clarice!" E agarrando os visitantes pelos braços, sacudindo-os e gritando: "Não está vendo minha mão toda queimada, essa pele branca e linda, esse ar de nobreza, essa boca polpuda e esse nariz arrebitado? - Sou Clarice! Preciso escrever alguns livros, onde está minha Olga?" Sim, todos os grandes tem uma Olga.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Escorrem dedos pelas minhas costas, enquanto finjo. Caçando minha alma ancestral, nem desconfiam que sou lama. Não me toquem! Seus dedos gordos e seus lábios úmidos escorrem em meus braços; de qual planeta estão vindo? De Marte? Mas eu sou de Vênus. Não me toquem! Vivi no seu planeta durante algumas décadas, por isso estou sabendo.

Corpos.

Agora está difícil o salto, o peso que carregamos é enorme. Enorme. Que fazer com corpos tão pesados? Suas demandas de desejo, de socorro, de amparo, de sonho, de carícias?...Há, no entanto, um corpo vazio que cai, sempre à beira de algum precipício: você. Corpo ôco, fica no limite entre o consciente e o inconsciente, que a gente sabe que existe e é a razão do inconsciente, que, por sua vez é a razão mais lógica do sonho.

Você.

Tua alegria me perturba como se fosse tolice. Talvez num pouco de seriedade pudesses encontrar o sentido da vida. A lucidez talvez incorporasse a razão. Tú foges.

as histórias que os meus pés inventam

Os meus pés são luvas que calço para andar no céu. Alces que encomendo antes da "noite de natal". Voam longe e lá do alto os meus pés enxergam com seus olhos enormes de pés, o mundo. Sentados numa árvore branca e o céu azul, eles movem-se em direção ao nada de uma forma tão intensa que a infinitude para e ali, diante, ela contempla as histórias que os meus pés inventam.

boleros de terça-feira à noite

Ele estava lá. Sempre no mesmo lugar, na mesma mesa escondida por debaixo da velha árvore que ainda despejava mijo de potó de vez em quando. Barba bem cuidada, roupa esportiva e perfumado. Ali, todas as terças-feiras, ele arrumava uma namorada. Nunca vi os beijos e abraços que ele dizia trocar com as "meninas" debaixo da árvore, toda terça-feira. "Teve uma, casada, que levantava a toalha para nos beijarmos sem que ninguem visse". Naquele bar, a música troada era o som de velhos boleros. Às vezes um karaokê insuportável. Carlinhos era habitué, então era bem tratado pelos garçons e conhecido do dono da casa. Todas as terças-feiras saia dali cambaleante, a voz engrolada. Por sorte morava bem pertinho. Quando eu ia eventualmente àquele bar, numa terça-feira qualquer, ele insistia em que sentássemos juntos. A bem dizer éramos amigos de infância, pois nos conhecemos no começo da nossa terceira idade, quando a gente perde a noção. E, lá pelas tantas, Carlinhos começava a cantada, quando os olhinhos negros opacos pela bebida já não brilhavam como de caçador. Sem presa, Carlinhos voltava-se agora para mim, a ultima esperança da terça-feira. Eu ouvia pacientemente as odes aos meus encantos, inteligência e por ai afora.
Sinceramente, eu pensava na mulher dele - que estava em casa dormindo e, certamente, não o ouviria chegar com o nariz entupido de vick vaporub para disfarçar o cheiro forte de bebida que exalava das narinas. Depois podia roncar à vontade. Ela já tinha tomado o sonífero. Distribuindo sonhos...Carlinhos dormia.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sinto fome. Um buraco no estômago. Abro a geladeira. Leite desnatado, uma quentinha com a tampa de alumínio toda amassada, lixo para ela, eca! Três tangerinas azedas, uma bandeja de queijo gosmento e mortadela meio arroxeada - claro, lixo! No armário da cozinha: duas latas de milho verde, uma caixa com um restinho de sucrilhos light, óleo, um pacote de arroz. Nada de miojo, nada de macarrão, nada que simplifique a minha vida. Alguns pacotinhos de chá...procuro mais alguma coisa, uma lata de sardinha poderia ser a salvação...oh my God! Nada. E a fome aperta. Um ovo! Não - tá estragado, dá para ver, tem cara de ovo estragado. Não, não vou cheirar nada, tá maluco?
E a fome aperta.Coca-cola, mas coca-cola não é comida. Nem uma latinha de cerveja que equivale a um bifinho e dois ovinhos.
Vou ter que vestir uma roupa e sair para comer aquela lasanha de dez reais que trago para casa e fico comendo ainda por três dias. É uma resolução difícil essa, mas a única possível. Veja bem (vou mudar essa expressão), tenho que decidir se vou ou não comer lasanha por três dias seguidos, mais uma vez.
Tempos difíceis.
Tempos difíceis.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Detendo o tempo

Quase detendo o ritmo do vento frio com as palmas das mãos abertas, o homem caminhava, balançando o corpo e esquivando-se das esquinas geladas. Algumas memórias difusas abalavam o ritmo dos pés calçados em botas de uniforme militar. Por baixo do grosso agasalho de lã esverdeada, um fedor estranho habitava no corpo muito poucas vezes lavado. Da barba crescida e engalifinhada em pelos crespos e brancos pendiam restos de algum alimento há pouco catado em alguma lata de lixo vorazmente devorado, como é de praxe em alguns que comem raramente.Cena comum, nada que pudesse chamar a atenção: apenas mais um dos muitos mendigos que perambulam pelas noites na grande cidade. Lá com seus botões pensava "estou perto do viaduto" - o debaixo onde fez sua morada. Mais alguns passos e o aconchego dos velhos amigos, tão velhos e tão mendigos quanto ele, afastá-lo-ia dessa tristeza mórbida que se agarrara ao seu dia. Mais alguns passos. Tentou repetir para si mesmo a frase que funcionava como um grito de guerra nos momentos de desânimo, fraqueza, solidão: "vamos,..., força!" Foi quando deu-se conta, assustado, de que não lembrava do seu próprio nome. "Vamos...fulano!" Que fulano ele era, qual era o nome desse tal fulano, ele?Apressou o passo e coçou a barba com os poucos dedos que escapavam do abrigo da luva furada. Mais alguns passos, estava próximo, sabia. Logo logo estaria no lar do viaduto onde os amigos o aguardavam, preocupados.A noite engolfou, de repente, alguns vultos que estavam parados lá adiante. Era o viaduto aquela massa cinzenta? O vento frio e branco levou a paisagem, deixando apenas alguns papeis voando em círculos e um cheiro familiar de urina subiu ao seu nariz gelado. Apertou as mãos dentro do velho casaco. Lá dentro dos bolsos havia uns pedaços de papel higiênico que havia tirado de alguma banheiro público. Apertou-os com força. Estava com medo, mas continuava caminhando. O viaduto, naquela cidade enorme, podia ter ´mudado de lugar, pensou sorrindo de um pensamento tão tolo.

15:37 (5 horas atrás)
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olga
Poderia perguntar a alguem onde estaria o viaduto...mas qual o nome do viaduto? Esquecera. São tantos os viadutos em São Paulo. Perto de que, alguma referência, nada. Da memória não conseguia nada. Dobrou à esquerda numa rua que lhe parecia familar. Era muito escura e deserta. Muitos mendigos já estavam embrulhados em seus cobertores e dormiam exalando o cheiro de álcool e sujeira acumulada. Não eram seus amigos, certificou-se, olhando os rostos um a um na escuridão da marquise.Continuou caminhando, agora com um ar atônito e perdido. A enorme cidade nunca lhe fora estranha. Agora lhe parecia um outro planeta, a noite já não lhe sorria amável como sempre. Era medonha, estava assustado.Perdera o abrigo, perdera os amigos...Teria que esperar o dia seguinte, talvez alguma coisa clareasse juntamente com o dia, lá dentro daquela escuridão que agora jazia em sua mente.O mundo caiu na escuridão.Melhor esperar o sol. Bússola. Com certeza encontraria os seus amigos e, contente, com os olhos banhados de alegria, ante os olhares surpresos e indiferentes dos companheiros, diria:- Vocês não estão me reconhecendo? Sou o ...Fulano. O mundo caiu.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pronto, era o que me faltava. Perdi um braço. Agora só tenho um, o esquerdo. O que fazer com um braço apenas? Não sei. Sei que quando eu tinha dois braços fazia um monte de coisas, ou...pensando bem, o que os meus braços faziam...não me lembro. Talvez fosse o lado da memória esse que estava em meu braço perdido. Como o perdi? Lembro-me vagamente que estava sentada na coxia, passou uma menina e perguntou quantos anos eu tinha. Respondi: mais de cem, por que? Ela disse: minha avó tem sessenta e quatro. Depois me lembro de algumas luzes muito fortes incidindo sobre meus olhos e eu queria tapar os olhos com as mãos mas não conseguia mexer os braços, ou melhor, não conseguia mexer o braço direito. Ou eu o mexia mas ele não obedecia ao comando. Ouvi sirenes e sons que nunca havia ouvido antes. Gritos e estrondos. Pensei, acho que pensei: até que enfim é o fim do mundo. Quando acordei (?) eram muitos dias depois daquele dia. Impossível lembrar. A memória tem limites. Foi há muito tempo.
Saí por uma fresta escura e úmida, e quente. A luz me cegava. Havia uma dor profunda no meu braço, mas era uma dor que não doía. Uma dor quente. Amiga. Amigo que morre e deixa saudades. Essa dor era o meu conforto. Quando ela passou eu sabia que não tinha mais o braço.
Não é um problema muito grande, já que estou conformada e uso o meu braço esquerdo, minha mão esquerda, tudo esquerdo, com maestria. Toco piano a uma mão, flauta e violão, canto e danço. Tudo meio macabro, mas faço, isso é que importa. Escrevo mal porque sou incompleta. Pinto mal porque sou incompleta, mas quem não é?

domingo, 22 de fevereiro de 2009

CARNAVAL

O silêncio está de meter medo. Onde está todo mundo?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

SENTIR

Acabo de chegar do cinema: O Leitor. Estou agindo como Hanna, e meu coração está doendo com pancadas fortes. Ela, a atriz, conseguiu incorporar em minha mente. Sou ela a partir da hora que começou o filme até agora, uns 50 minutos depois. Já estou em casa, pronta para dormir, mas o coração continua apertando, doendo...Sou Hanna, e o resultado daquele maldito Holocausto que matou tantas Hannas judias, alemãs. Uma história doce nomeio de tanta violênica inexplicável. As grades cheias de milhões de sapatos velhos e rotos, os fornos, as consciências, o amor sexual (!) os juizes, o direito, o amor querendo ser sem conseguir mais forte do que tudo. Fracasso do amor. Não sobrepuja o amor à raça, sei lá. Eu te amo, mas você matou meus conterrâneos, eu te amo, compreendo o que você fez, mas acima de tudo está o mal que você fez. Eu não posso perdoar, embora eu queira. Tenho a obrigação de não perdoar. Isso é dor...É matar de novo. Ele julgou e condenou Hann, com que direito, se ele sabia que ela era aquilo, só aquilo: uma mulher que não sabia ler. Ah, Michael, que pena de você. Como Hanna foi nobre todo o tempo. Até agindo como guarda da SS, de uma nobreza, de uma inteireza, pode ser? Uma assassina?