segunda-feira, 31 de maio de 2010

poesia cega

a luz cega inconsciente
atinge o alvo e resvala
feito bala estremece
nas entranhas inocentes

íntimos sons decadentes
velam o sono difuso
dançam uma vida demente
entram em parafuso

no mar dúbio da esperança
sangram onde o amor sangrava
saga madura se entrega
cega à poesia - exala

assim, de simples

A Era da Terceira Idade.

Clube restrito, intrigas nos bastidores, crônicas rancorosas.
Poetas perfilados partem rumo ao Nada.
Parada Estaçaõ Primeira, Mangueira.
Ala dos Poetas Sem Mágoa.
Problema da Calvicie, rugas, barrigas enormes, amarguras.
Desilusão, o domingo foi cheio.
E a semana começa vazia, mas vai encher, ah, se vai...
Será sem mágoas e poucas alegrias somente, suficientes.

Será de esperanças, bons negócios, ou de nadas.
Apenas o computador vazio de imagens. Fake.
O futuro chegará para todos, é a vingança.

domingo, 30 de maio de 2010

Domingo à noite, hora de ser melancólica. Dizer o por quê de tanta saudade, de tanta ansiedade, se já se foi  ou fica. (Onde está o seu quadrado?) Tira com sabonete o anel de lata do dedo inchado.

Começou a escrever com a mão fria, sem graça, sem vontade, quase como quem toca ao piano sempre a mesma música.

Hoje passou pela rua e não viu nada interessante. E, novamente, a sensação de ausência predomina e ela volta a enxergar os outros seres como seres são: simplesmente seres sem graça.

O rapaz do caixa não sabia quem era Manu Chao, é um pouco antigo, talvez, Manu Chao. Explicou simpaticamente as razões que ela mesma desconhece. Comprou por causa da música Clandestino. Esta noite sente-se especialmente clandestina, quer apenas vagar entre sons conhecidos, decifrar um pouco as charadas que a semana debulhou astutamente diante dela.

Noticias do mundo de lá chegaram. Um mundo onde se plantam e se colhem maçãs e kiwis. Depois, o silêncio inimigo. Está covarde hoje, está...não sabe. Domingo à noite é sempre um pavor, quem não sabe disso - só não sabe quem não quer. Homens se matam, casamentos se acabam, ciumes exacerbados reavivam velhas brigas, famílias desintegram-se. Tudo no domingo à noite. As gentes ligam as tv, estateladas de cansaço - sim, domingo cansa!, e fingem que foi bom o fim-de-semana. Outros amaldiçoam o trabalho que está às portas, amanhã bem cedo. Desenganos, embaraços, tudo acontece no domingo.

Macabéa está farta de domingos, prefere as segundas-feiras.
Eu queria ser o ser que nunca fui
Um ser sem nunca ter sido
Tão lerda, parda, desenxabida,
Mal amada e tão mal querida

Se eu tivesse sido o que naõ fui,
Seria,talvez amada e reconhecida
Se eu tivesse sido o que não fui
Fria, insensata, sem juizo...

Ah, se eu tivesse sido...!
Faria muito mais sentido.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

As memórias da menina coisa

Ela sempre soube que tinha nascido para escrever. Pensava que a vida ensinaria, alem de um regular domínio da Lingua. Mas a fonte, o jorro de onde deveriam sair as idéias, as palavras se concatenando, dançando a lúdica, ou nem tanto - dança é que era o jogo. As idéias estavam soltas no ar, em outros escritos, nos filmes, nas músicas que escutava. E ela sonhava coisa pueril: vou ser poeta. Mas não deu. Poeta é muito difícil (ser), mas a alma, ah essa!, parecia ser poeta. Pois não tinha o ingrediente sofrimento? Aquela alma dela não descansava. Andava aflita pelas partes que lhe cabiam no espaço mundo, mas ela mesma, infeliz não cabia em lugar nenhum.
Remotos e outros nem tanto, os lugares passaram por sua vida andarilha, mas não teve nada de seu. Tudo lhe escapava pelas mãos. Muitas vezes era como se não existisse.
Um dia, arrumou a mala e partiu. Nunca mais voltou, Ficou por aí, até que decidiu escrever suas memórias. "Memórias, ora direis"! - que memórias, se a moça nem tinha vivido?  De inventar personagens e viver a vida deles. Sim, por  que não? Ninguem precisaria saber daquela cena real, daquele dia em que o tio colocou a mão por entre suas pernas, o outro tio, em outro lugar (não mais nas pernas), o pai na rede com uma vagabunda, o médico, o sacerdote, ...bom, ninguem podia saber Isso era assunto reservado, proibido para menores. Naquele tempo (?) os adultos podiam fazer o que quisessem com as crianças. Menina não diz essas coisas, menina não se mete em conversa de gente grande, e por aí vai. O segredo é o medo. Restrita ao domínio do medo, ela, meio doidinha, ninguem iria acreditar. Mais uma fantasia da menina que toca violão, escreve versinhos, vive a sonhar, voando entre nuvens fantásticas e nadando no mar que criara para sua alma dolorida, subterfúgios que o tempo roeu. Tentava ser feliz, a despeito de tudo. A felicidade era seu rumo, mas, como um barco sem prumo, naufragou. Não sabia que isso um dia iria doer. Pensou ter esquecido, pensou que era assim mesmo, que assim era ser mulher.
E deixou que o tempo levasse as lembranças como leva essas folhas secas que voam por ai, ao sabor de outonos e primaveras mal curadas.
Num dia era inverno, noutro, verão; e escrevia, escrevia, na busca da sua verdade. Nada então, a mão que detonava, impediria de voar. Sim, era como se, não só os tios, ou o pai - a tivessem transformado num objeto, ela mesma estava-se  obrigando, singelamente à fatalidade de aceitar o fato como certo: ela era uma coisa,  não era um pessoa.
ELA era a culpada:  "Sua filha é linda, é tão perfeita!". E as maõs a alisavam e ela era tão bonita, tão perfeita.

Escreveu então, suas memórias. Ainda vive até o dia de hoje, mas sempre chora quando vê uma criança ser violentada em palavras, pensamentos, ou ações.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Gracias, Mr. Klotz......

Então...
Meros entões
Flutuam
Pálidos reversos
do que foi a Maca

Cinza renascida
Vibra,
engole
e inflama
as veias....
em suspiros mis.

Derrete-se
em tédio
picolé de tamarino

Sente saudades da terra
e dura,
feito tapiioca adormecida
;;;agradece!
A persona Macabéa tra lá lá tra lá lá da Silva é ume persona como outra qualquer. Ela se autoacusa esquizofrênica, se autodenomina livre, se autoanaliza como se estivesse num divã, mas ela não sabe o que faz.
A persona Macabéa não é triste. Por sinal, é muito alegre. Só porque ela pensa umas coisas triviais e corriqueiras da mente humana, algumas garotas do seu círculo acham que ela é meio doidinha. Não é, não.
Discreta, já não pinta mais os cabelos de loiro a la Marylin, as unhas de vermelho, nem tampouco usa roupas muito apertadas.. Esse tempo já passou.
Maca Marylin? Never more.
A galera diz que, na verdade, o que está tentando fazer é um twitter, aqueles "follow me" wherever I go.
A pobre não sabe uma palavra do idioma Inglês, desconhece o Espanhol, mas fala os dois.
Uma vez, encontrou um norueguês que não falava nem Inglês, nem Espanhol, nem nada. Só Norueguês. Pois não é que foram os melhores papos que a criatura já bateu em sua vida? Os dois inventaram um noroguêsnhol indecifrável para os comuns mortais, mas era como eles se falavam: às vezes sinais, gestos, desenhos, expressões usualmente conhecidas "Fast your seat belt", por exemplo, coisas assim, eles se falavam e se entendiam. A mulher dele - ela conheceu o casal, não conseguia entender bulhufas e ficava rindo, rindo. Não sei do quê. Talvez porque eles parecessem dois loucos.
Foi o que a fez pensar na terrivel necessidade de comunicação da massa humana. (Quando está na ABdE, Macabéa não confessa que é criacionista porque os intelectuais preferem acreditar no Evolucionismo - e, tambem, por que ela tem certeza de que não seria macaca por muito tempo. Inventaria rapidinho um som inteligível, uma língua; Oras, por que macaco não canta, ora pois?

domingo, 23 de maio de 2010

Estando ela, Macabéa, A Indestrutível, sentada inutilmente sobre o banco de livros de bolso, improvisado sobre a sarjeta, comprado nas bancas de revistas e jornais (sentada, pois, sobre tão nobre assento: Dostóievsky, Cervantes, Pessoa, Machado de Assis, Niestzshe, Florbela, Clarice, entre tantos), ela e outros mendigos a mendigar somente - pois, claro, era - seus ofícios, viu brilhar no asfalto, ali è frente, bem à frente de onde estava sentada sobre sobre seu áureo banco - uma moeda de um real! De um salto arrebatou-se sobre o desejado afeto, e, claro, arrebentou-se no asfalto, debaixo das rodas de um carro veloz.

Quando acordou estava numa espécie de freezer, toda contida numa gaveta fria e não podia mover-se. O único órgão que resistia à morte, inusitado capaz de incendiar uma floresta, a língua - ela usou-a! E no mais fino grito que os mortais já deram, Macabéa gritou. Tanto que até os os mortos ali postos para congelar, descongelaram-se...

Algo incompreensível saía de sua garganta: "chamem o príncipe!" Gritos aterrorizantes, alucinados, e antes que alguem ouvisse passou-se, realmente um largo tempo, um tempo entre o tempo e a eternidade - entre o o pedido e o atendido.

Aos poucos os órgãos enregelados colaboraram e a moça pode mexer um pouco os pés, os quais bateu desesperadamente contra a lousa fria. Naquele exíguo.

Quando a retiraram estava um trapo. Tremia tanto que as pernas pareciam piriilampos assustados, era de dar medo a quem nunca experimentara a morte.

Bem, refizeram a data do enterro (sine die) e avisaram ao ex-marido. El hombre, que vivia de fazer e refazer as contas do que teria que pagar à Maca sobre os atrasados, e contando com a morte da ex-amada, já estavam arrefecidos seus ânimos covardes, - ó, qual não foi a surpresa de não saber-se viúvo de fato!

Como a criatura contava com a simpatia do Juiz, que havia comprado com a verdade absoluta de que era uma mendicante, era quase certo que obteria a vitória judicial.
O iluistre  meliante corentu, então, atabalhoadamente,  para o IML quando soube da retro fatalidade, e eis que à frente um quadro descomunal, inesquecível: a Infeliz Macabéa, Inescrutável, estava ali, sentada sobre o leito branco, descongelada, embora inda restasse um pouco da frieza mortuária em sua face. e um sorriso, não diria gélido por não repetir o tema, mas...digamos um sorriso esfriado... -  estirando-lhe a mão, a qual continha a moeda dourada, e sorri-lhe, com sua inefável ignorância e indisfarçável abestacide:
_ Olha, salvei uma prata!
Musgos entremuros
Silencios estridentes
Entrelinhas...
Sonhos

Amores entreatos
Entre mortos e feridos
- "Mérde!"

O show começa
Empeza tangos
Ao som do bandolim

Vodkas e caipirinhas
Estalam-se no chão

Rumores indecisos
Marcam passos
À valsa no salão

O show ardente
Recomeça e queima
Desatina
Desfalece
Desafia inéptos

- "Som!"

- Às falas!

Seu olho voa
Fisga e afasta
Ombros incrustrados
Em braços

Versos incendeiam
Desertam-se de si
e partem...

A legião incauta
Aplaude entre anseios:

- "Bis!"

- À morte
Macabéa Julieta!

Míseros mortais.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um pouco de mentira

Com o rosto  intacto, intocado pelo tempo, Macabéa Alice caminha entre os viadutos. Seu passo é incauto, tanto incauto quanto sua  alma, que não tem o menor cuidado com o que podem pensar, daí advenham talvez os seus castigos.Talvez independência demais, demais. Esse seu rosto intacto e esse seu passo incauto, esse fechar de olhos que quase nunca se levantam, portadora de uma dor que não para, que doi o tempo inteiro e empurra a pobre para lá e para cá, e como se fosse portadora de alguma doença venérea, os homens se afastam dela (ou elas os empurra). O que são esses impulsos de não inteligência, essa mansidão falsa, essa mulher empedernida como um pedaço de pau? Vislumbres de apagão (na mente) traem mais uma ilusão, um pesar, enquanto ela perambula.

Sem nenhum peso, vive suspensa entre o céu e o inferno, a verdade e a mentira, sem nenhum encanto, aparando as arestas dos excessos, suspensa entre mil nadas enquanto mil ferrões aferroam-lhe uma consciência daninha, desperta e acurada nas moralidades...e acurrada nos põrtões frios da liberdade que chama, chama, mas ela responde com um lamento vazio. A luxúria da vida é o que encanta uma alma pervertida - seria Macabéa uma alma pervertida, atraída pelo mal?

Um pouco de verdade: na realidade, ela não sabe o que está fazendo aqui ou acolá, como alma vagando não nega essa condição de andarilha, talvez não como um suporte para o vazio que dentro de si habita, mas como uma tábua de salvação, uma esperança. Sim...esperança. Disso vive a parte doce de Macabéa Alica Juliana - esperança! Já viveu a vida agora vive a esperança de vivê-la de novo. As mãos geladas, o nariz vermelho, agarrada ao casaquinho preto agora adornado por uma linda echarpe azul-turquesa, caminha, caminha...Há algum tempo observava as pessoas e via coisas, estava atenta, era como um cronista à espreita de captar alguma idéia, alguma conversa na mesa vizinha, uma discussão entre casais, entre namorados, e gostava do que via, para depois escrever suas histórias;  De repente, sim, não mais que de repente, ficou fútil e vazia. Ou a vida de outros já não lhe interessava mais. A sua própria vida interior não lhe interessava mais. Fosse o que fosse não lhe chamava a atenção. Virou um ser esquizofrênico, enrustido, enrolado em lençõis e travesseiros, o dia inteiro só espiando as luzes que contornavam o dia de várias cores diferentes. Os entendidos irão dizer:  Macabéa não é mais aquela.

Foi convidada a escrever uma orelha de livro. Escreveu num ímpeto quixotesco as palavras (fortes!) que orelhariam o livro de um poeta desconhecido. Depois desse dias, um sentimento estranho tinha deixado-a naquela situação de apatia, estranhamento.

Sentia-se agora rejeitada pela cidade que ela tanto amara!

Um pouco de verdade: nesses passo arrastado, andando pela Paulista, de cabeça baixa, arrastando o corpinho magro, sentiu no rosto uma avalanche de uma coisa líquida gosmenta, repugnante.Um  mendigo que vinha no sentido contrário, simplesmente, assim do nada, cuspiu-lhe na cara com toda a força uma rajada de um cuspe asqueroso, um cuspe cerrtamente ajuntado na boca suja há bastante tempo - pelo menos uma quadra antes. A moça levantou o rosto assustada e não entendeu, por supuesto, o por quê daquela cusparada tão violenta. Atônita, entre ânsias de vômito e um pavor ancestral que tinha das pessoas, ficou em dúvidas quanto à sua própria reação. Passou a mão pelo rosto e recolheu um pouco da baba nojenta que escorria pelo rosto frio. Correu para um bar próximo e passou quase correndo em direção ao banheiro, onde, depois de lavar o rosto, refazer a maquiagem, Macabéa se olhou triste no espelho. Seria por que era bonita, e aquele mendigo a olhou e desejou tê-la, e como não podia, a cuspia?: Seria assim? Que sentimento tão odioso teria despertado naquele velho homem...

As simples palavras que escrevia antes, com alegria, eram o seu alimento; agora, entanto,  elas mesmas, as palavras regurgitavam em seu íntimo e se transformavam não em pérolas de alegria, mas em pedras engasgadas com ferro e fogo na garganta. Ela sofria. A cidade detestava-a.

DISCORRENDO OS DIAS/As Incoerências de Maria Madalena/Mulheres que Não Dizem Nada

Dramas cotidianos à parte, Macabéa Alice tinha que cumprir suas obrigações de escritora de orelhas de livro, dona-de-casa, cuidadora de cachorros de patricinhas, entre outros; embarcou no seu metrô predileto e foi até à Estação São Judas, onde tinha uma conta a pagar.
Lá, numa loja enorme, confusa, amontoada, Macabéa viu coisas estranhas, a começar pelos homens estranhos e mulheres estranhos. Não conseguia encontrar uma pranchinha para comprar, até que enxergou um pequeno oásis: um cantinho para tomar café - tinha até um homem sentado, lendo um livro, naquele cantinho não tão isolado, daí ela resolveu tomar um cafezinho,. Tomou. Mas, assim mesmo, apesar da pausa, do cafezinho, não se sentiu muito bem. Ainda leu uma das cronicas do livro que sempre carregava na bolsa, no entanto nada mais lhe deu prazer. Não gostava de lojas assim, de pessoas assim estranhas. Pegou o metrô de volta. Delícia dos prazeres, não estava  tão cheio. Sentou-se na cadeira preferencial porque não tinha ninguem mias depauperada do que ela. Se chegasse alguem, faria a devida substituição - banco de reserva cedido entraria no campo. Chegou já bem tarde à Consolação, daí, desceu a Augusta, observando o movimento dos bares, restaurantes, pessoas fumando nas calçadas, papos animados.. Às vezes ela pensava que era a única solitária naquela cidade, mas já alguem lhe tinha dado garantias seguras de que eram milhares de pessoas como ela. Não se enxergava em nenhum rosto. Ultimamente aquela cidade estava aborrecida: iria embora para o Rio de Janeiro!
Lá ela ficaria uns dias na Gávea, no apartamento de uma amiga. Lá,no Rio de Janeiro, ela estaria mais perto do Chico Buarque, da Globo, do calçadão de Copacabana, da Lagoa, dos cariocas "carasdepau" e iria dançar na Lapa até o dia clarear. Aqui, tédio dos tédios, ela só encontrava a Odete Roitman. Ah, e tambem não podia deixar  de "save the date" de ir à Feira dos Paraíbas - era assim que chamava? Os repentistas, o forró, a alegria dos porteiros e das empregadas domésticas que se esbaldavam nas pequenas pistas onde a moçada e a coroada davam shows de bola de forró.

Ela era uma daquelas mulheres desprendidas, que não dizem nada, não tem nada a dizer, não fazem nada, não tem nada a fazer, não contribuem  nem influem tampouco nos destinos da Nação, da Literatura, do Sexo, da Educação, do Combabe ao Narcotráfico, não estava engajada em Nenhum Movimento, não esbravejava por Pouca Coisa, Empáfias, Litígios, Movimento dos Sem Arte e outros. Havia dado um basta á ex-fervescência de sua vida. Era uma extra-vagante agora. Mesmo porque durante a queima de arquivos lá no Araguaia ela era muito mocinha, só queria tocar violão e andar de bike, que, naquele tempo, se chamava bicicleta (já disse isso - alías -  disse tudo isso antes). Errante, podia andar de um lado para outro, embora o assunto de arrumar malas realmente continuasse sendo um grande problema. Alguns só levam a moedinha da sorte, outros levam roupas de inverno, verão, primavera e outuno para usar por dentro, agasalhar, deixar voar, levar à praia, esbaldar, descansar - tudo à pobre alma estressada, outros, ainda, levam grandes malas que assustam os anfitriões e alegram os gerentes de hotel, e outros como a comadre de Macabéa que leva uma pasta do tipo 007 e nenhum segredo, só levam o corpo praticamente, ainda ensinou que só viaja de saia, porque é um aperto - literalmente, abaixar as calças jeans naquele banheirinho de avião. Macabéa não. Macabéa levava muuuuuuita coisa, e nunca era suficiente - oh My God, por que não trouxe o vestidinho preto? O básico. Os livros não podia esquecer -  atualmente estava lendo alem da Biblia, Confissões de J. Peste.

Depois, quem sabe? - poderia fazer uma excursão ao Pais das Navalhas, revisitar o Deserto de Atacama para rever as longas areais ou ficar mesmo só em frente ao seu Espelho Deformado.

As incoerencias de Maria Madalena

Confissões de J. Peste
Incongruências Ltda.
Dia em Que o Sol Não Vai Aparecer
Mulheres que não dizem nada
Santos, santos e santas
Discorrendo os Dias
Extra-Vagâncias de Macabéa
Macabéa Alice no Pais das Navalhas
"                   "   no Deserto de Atacama
Macabéa Alice e o Espelho Deformado

O Velho e o Tempo

Embora o tempo tenha
Passado presente e futuro
Caminha entre nadas
Percalços desvelos aventura
Dança conforme à música
E se a música para
Ele desfala
Entende o promíscuo
Passado e o futuro
Que entre si resvalam
O tênue presente

quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Diante do altar dos ódios" ela prostra-se e escreve o título. Destarte os últimos dias terem sido difíceis, aperreados de discussões, brigas recheadas de palavrões fanáticos, depois de alguns dias, a volta deveria ser mais serena. Caprichosamente, escolhe a tinta e o papel. A letra mal feita não coopera. O dia está sombrio, escuro como que vai chover. O papel continua ali, branco, branco imaculado e as palavras não querem sair. Estarão engasgadas em algum canto da garganta? O sabiá canta na janela - mentira, não tem sabiá nenhum - e ela prende um alfinete no decote que está exagerado. O papel continua branco, branco imaculado. Levanta, toma um gole dágua, acende um cigarro que não fuma, joga fora com desdém, continua olhando em direção à janela, frustrada. As pernas estão mal colocadas devido ao banquinho muito baixo, sente dor nas costas.

Só isso, e as palavras não saem. A menininha ontem contou-lhe que seu aniversário seria O Casamento da Branca de Neve porque ela queria ver o casamento da Branca com o Príncipe. Só o beijo não valia.
- Mas, tia, eu não vou convidar a Bruxa.
E depois de pensar um pouco acrescentou:
- Mas, maçã envenenada vai ter que ter! - disse com veemência. Ficou triste: a menininha não dispensou o lado mau da estória.

A moça escandalosa, de saia vermelha, meio histérica, disse que ela não sabia nada da vida - como se ela não tivesse vivido. Não ligou muito - a criatura não sabe nada dela ou está querendo provocar. Era sempre assim, ela escrevia algumas mentiras misturadas com algumas verdades, mas algumas pessoas só queriam acreditar na mentira. Eram como a menininha, enxergavam o lado mau da estória. Continuavam a misturar, não como as crianças fazem, mas dentro de suas cabeças áridas construiam um mundo  de visões em que elas mesmas não acreditavam. Será que a meninininha usaria a maçã como defesa?  Tipo ah, qualquer coisa eu taco uma maçã envenenada e -  ou acabo com a festa, ou...sei lá... E ela, o que faria com uma maçã envenenada - que era o que ela escrevia -  a quem ofertaria? Num ato de misericórdia, de vingança, de inveja, de saudades, de amor? A maçã do amor agora estava em suas mãos e era envenenada.


E como Macabéa era árida, isso - árida como o sertão!, não podia contar toda a verdade - afinal, qual seria a graça se ela contasse realmente como viveu a vida, como escorregou por ela como se fosse de verdade (a vida!).

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Non sense

Non sense


"Non sense". Esas palavras açoitavam-lhe os ouvidos como o vento a bater contra os óculos escuros. Era o que faltava. Era o que faltava, o que lhe falta. Sentido. Norte e rumo, talvez um prumo por onde adejar. A falta que você,! - me faz não tem sentido. Realmente, não tem. Descalço ou andando pelas paredes, este meu non sense vai pestanejar ainda muitas vezes diante do teu retrato. Descansas em paz nas fotos, nas paredes. È justo, é injusto, não me cabe calcular. Às vezes pensava: por onde a vida a fez passar, que caminhos podres, sórdidos, devassaram sua ala e a transformaram assim, nessa coisa...non sense.O poeta odeia: ela usa um motivo, um imprevisto que pode acontecer a qualquer um, à toa. Um motivo para escrever, ou um motivo para ser triste. Macabéa Alice dá as voltas, as costas a quem prejulgava. A quem praguejava tambem a sua sorte. Infeliz, infeliz.

- Vão viver, seus vagabundos, e o mendigo lhe cuspiu à cara.

Certamente, para escrever certas coisas, há que ter "non sense", senão não se escreve. Falar sobre a lua, falar sobre o amor, deve ser fácil; juntar palavras meigas quando se é na verdade, um bruto, ou juntar palavras sensuais, quando, na verdade, jejua. Mas falar sem sentido, deixando que as palavras saiam e calem no papel, não é para qualquer Macabéa. Há que ter vivido o "no sense" para lhe dar sentido. Há que ter vivido, a vida.



Há que ter vagado pelas ruas, quando as lágrimas cegando a vista e a fumaça dos carros esconde,a praça com a luz acesa. Há que ter perdido tudo para ter coragem de dizer "eu não tenho nada". Há que ter deixado pai e mãe, irmãos, tios e primos, para tentar tocar a vida no seu mais foro íntimo e poder senti-la e tentar comprendê-la em sua tragicidade E há que confessar, ser trágica e triste, com validade prevista até o final dos dias. Isso é non sense, do resto ela não sabe nada

CARTA AO CREITO

(Pedido de Casamento de Macabéa Alice)

Sabes cerzir,
Cozer, cozinhar,
Pregar botões
Lavar, passar?
Usar Cândida -
A Melhor Amiga da Mulher,
E os temperos...
Sabes colocar?
Sabes acordar
Bem cedo
Preparar marmita
Café, chá,
Fazer tapeçaria
Bordar, transar?
Gostas de Futebol
Coritians ou São Paulo?
Mengão - ah não!
Muitos conceitos hás
Ter que mudar
(e o controle da TV
é meu - fique sabendo!
- lado direito da cama, e
a melhor posição na mesa)
Ganhas algum dinheiro,
Bem? Sim, porque eu
Posso perder o emprego
Gostas de ler
Que tipo de leitura,
Escreves?
Gosto de homem escritor
Não se importa
Que eu use calcicha furada
Nem de umas arrancadas
Violentas no meu jaguar?
Sabes por acaso
O que é depressão,
Bipolar, tpm,
Esquizofrenia
E menopausa,
Já ouviu falar?
O bife, como o fazes?
Ao ponto,
Mal ou bem passado?
Sabes lavar louças
Torcer, secar, varrer,
Dobrar, guardar
Esticar a cama,
Esterilizar?...
Sabes,
Dobrar gaurdanapos
Usar aspirador de pó
Sussurrar poesias
Tipo:
- Tás afim de transar?
Elogios, elogios, elogios
Meu ego é meio problemático
Frágil, precisa de afagos
Sufrágios, senão morre...
Maionese, margarina,
Sabes onde colocar?
Arroz de carreteiro
Omelete, macarraõ
Rabada, arroz e feijoada....
Sabes elaborar?
Insisto nos detalhes
Pois são muito importantes:
Permite-me envelhecer
Com  orgulho e elegância?
E não sejas muito exigente|:
Posso ser Alice, Macabéa,
Augusta, Antonia, Luciana,
Cintia, Karla, Clarice e
Julieta,
Todas juntas ou uma
A cada seu tempo?
....
Ao dadaismo sucedeu um movimento construtivo que se intitulou surréalisme (supra-realismo).e cujo chefe foi Breton, em torno do qual se gruparam Louis Aragon, Paul Eluard, Philippe Soulpaput, etc.

O surrealismo é o automatismo psíquico puro, pelo qual o poeta se propoõe exprimir verbalmente ou por escrito o funcionamento real do pensamento. Para esses poetas, os estados de espírito do homem acordado são um aspecto limitado desse funcionamento; o centro da consciência é uma restrição que convem abolir para encontrar o dominio espiritual total, que está no inconsciente. Para escrever o poema, o poeta deve estar em estado de passividade completa e grafar o que lhe passa na mente. sem permitir que a inteligência intervenha para corrigir ou dirigir."

Acho legal, mano, isso ae....ó.!

* Noções de Histórias das Literaturas.
Como o ritual da oração, prostro-me diante do teclado e começa a longa série de escritos que se originrão ao longo do dia. É difícil vencer a antecipação mal agourada de que o dia vai ser um tédio. Para compensar, no diário da velha maluca, uma esperanç;a? quem sabe acontece alguma coisa? O pior de tudo é que sei que coisa pode acontecer. pois as sensações de que estou precisando agora envolvem dinheiro: sim, ir a uma loja de artigos artísticos e comprar, num longo crediário, as caras telas e tintas de que preciso para dar início ao meu trabalho funcionário de pintar. Sim, preciso voltar à rotina, à sujeira e bagunça das tintas, à contemplação dos resultados, sempre refeitos à exaustão. Há um ano nõa pego nas telas, apenas desenhos mal feitos e nunca terminados, sem esmero como sempre foram e totalmente grotescos. Àcida crítica, não tenho porque não sê-lo. Pois se a concorrência é imensa, como posso me dar ao luxo de pintar qualquer coisinha e colocar lá na galeria? Uma moldura bonita num desenho fulerage pode dar certo. Posso tentar. Bah, vou tratar de comprar as telas e as tintas. Escrever parece que não é minha praia hoje.

domingo, 16 de maio de 2010

"Amanhã, outro dia.
E ela, a tristeza?
A agonia?
Uma e outra, e a certeza:
Profunda euforia."

Gritos? - Reconheço-os. Sei de onde veem e para onde partem; Sei de onde ardem e que dor provocam. Não poderia dizê-los, mas você sabe. Não poderia descrevê-os , embora os possa sentí-los, mas você sabe. E no seu semblante onde desabam nuvens amarelas e às vezes cor-de-rosa, desaguam as profundezas de um inferno e de um céu que você domina, e que lhe pertencem;. Gostaria de escrever usando a segunda pessoa "tu", a pessoa do poeta. Diria palavras, palavras, palavras, mas você já as disse todas. A poesia que te leva, então "tu" - a viajar nas nuvens, é que te salva dessa multidão de erros que é a vida, a andar sobre as águas, atingindo as profundezas, e, ao mesmo tempo, evitiando o soçobrar, a angústia de ser náufrago sobre a superfície.
A doação da tua alma em palavras, essas de que tanto necessito, bálsamos em nuvens amareladas e azuis que são as nuvens que te navegam, e por onde eu vou.....Doa, entao, essa parte do teu ser tão doce e às vezes inatingível...a quem tanto as necessita. Bálsamos cor-de-rosa, ou podem - densa cores que assombram os universos que a tia se alinham, num mesmo firmamento de cores.Não vais mudar o mundo, tu, apenas vais acrescentar à poesia que se perde em meio aos rancores de seres famélicos de amores. Doa-te - a mim, faz falta.

Gritos

Gritos?
sei-os
detalhes
fraquezas
sutilezas
asperezas
dum interior
que arde
seio-os
ventura
amores
sons
de falas
doces
calmos
silencios
abafados
seio-os
calmos
profanos
profundos
amargos
e desatinados
sei-os gritos...
e que mais?
Era como se a moça andasse sobre as águas, desarraigada, pensando, pensando, confundindo água e terra, espaço e tempo, sombra e luz.
As únicas coisas que despertavam nela algum sentimento alegre era estar na rua com pessoas, nas praças, conversando com mendigos, com garçons, à margem da vida burguesa que tinha vivido até agora. Ela desistira, e desistir era a pior coisa a fazer. Desistir implica em muita coragem e força. Era disso que ela precisava, isso que estava procurando.. Ela estava sendo egoista ao querer tirar Macabéa Alice da sua desistência.
Deveria deixá-la como está, vagabundeando por ai, como se não tivesse nem família, nem mãe, deserdada da pátria amada - coisa que ela detestava e retrucava sempre com violência: não tenho Pátria! Sou cidadã do mundo. Chavões satisfaziam Macabéa num sentimentalismo um pouco teatral e fora de época. Desemxabida, procurava seus iguais.
Houve um homem há bem pouco tempo, mas ela foge. Foge. Às vezes aparece de olhos brilhantes, figura reluzente, com um brilho todo especial que havia cavado por entre os pensamentos fundos, trazidos à tona. Tinha planos secretos e inconfessáveis. Guardava-os como quem guarda ouro em pó. Não encontra a paz, e em suas errâncias já desabou por muitas estradas e veredas misteriosas. Viveu em muitos mundos, muitas vidas numa só.
Mas...o que estava ela tentando fazer com a Macabéa, o quê? Perguntava-se, o tempo haveria de responder.

sábado, 15 de maio de 2010

Primeiro Aniversário do Meu Quarto

Faço aqui as contas:
anos, meses,
dores que se somam,
multiplicam, e ardem.
Dentre tantas as contas que destaco
há, entanto, as contas do meu quarto,
clausura que não conta.
Contas que não contam.
Só se somem;
Eu? - Canto.:
"parabens pra você...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O altar de barrro e a Julieta internáutica

Apertando dentro do bolso do casaquinho preto o papel amassado e empoeirado devido ao longo caminho que teve que percorrer na velha carruagem  até chegar ao destino - se não me falha a memória, coisa de três semanas, ela dava voltas em torno da quadra do Teatro Municipal.
Tinha sido deixada sozinha no altar.
Agora teria que medir meticulosamente cada passo até que aquilo passasse a não significar mais nada, desfazendo-se na mesma poeira que trouxe a fatídica missiva. Decidiu, depois da terceira volta na quadra, regressar à sua casinha que ficava na floresta antes que as pedras se espalhassem demais e ela perdesse o mapa que a levaria de volta. Seria muito triste lavar roupa naquela água fria do tanque, olhando para o Grande Muro.
Parou na velha loja de cds.
- Moço, cd toca no pc?
- Toca, sim, toca dvd tambem.
- Então, me dê por favor um cd do Bruno Y Marrone.

Ainda parou na padaria para almoçar e pediu um ovo à parte. O estômago lhe andava mal e a coriza irritava. Frio só combina com vinho e cam, era o que pensava..
Com jeitão de executiva atravessou a Nove, subiu a escadaria, carregando o lep top na mochila.

Tudo já tinha acontecido, a carruagem não chegou a tempo.
Releu a carta que dizia o seguinte, com uma letra bem desenhada, um pouco trêmula:

"Quando esta chegar ao seu destino, já terei passado pela maior vergonha da minha vida, num papel covarde que não gostaria nunca de  ter que assumir, mas o fato é que decidi não casar mais com você. Estou apaixonadamente namorando outra. Sigo no primeiro navio, empreendendo a longa viagem até onde você, para dar-lhe pessoalmente as devidas explicações e cumprir meu papel de cavalheiro, nobre que sempre fui. Espero contar com a similar  nobreza do seu sempre tão dadivoso coração, razão pela qual tanto me apequei a você.
uNão posso negar minha dor e vergonha.
Por favor, tome as medidas necessárias e vexaminosas numa situação dessas: pague os garçons (não esqueça de dar-lhes vultuosas gorjetas), o mesmo, por favor quanto ao pessoal do som, principalmente o DJ Marttelo, com quem tenho outras dívidas antigas a acertar, tambem no tocante à cerimonialista e aos demais nos arreglos para a cerimônia, não esquecendo, por certo, o padre Cícero. Claro que desembolsarei a quantia necessária para tais fins, imediatamente após minha chegada.
Quanto à sua familia, farei todo o possível para que não nutram rancor e ódio contra mim, ó, o mais infeliz
 dos mortais.
Sigo amando-a de todo coração, como a uma irmã.
Seu sempre,
GH
P.S.: Detesto ter que causar-lhe mais esse aborrecimento, mas os convidados...ah! como gostaria de poupar-lhe tal vexame....ficam sob sua incumbência, para acalmar-lhes as maledicências."


Macabéa Juileta pensou em tomar alguns comprimidos para dormir, mas num laivo de sanidade atentou que não se pode mais confiar nos príncipes de hoje em dia, e, por certo, todos passariam pela estrada afora e nem tchum para ela, lá deitada na pequena caminha. Até os sete anões mudariam de endereço para não ter que fazer BO na delegacia. Ao invés do beijo ardente daqueles lábios corderosa, com os azuis olhos ligeiramente cerrados, certamente os paramédicos soprariam seus hálitos fedidos para dentro de sua bouquinha santa - bem, nem tão santa assim, e bateriam no seu peito magro até deixá-lo roxo.
Talvez o problema dos príncipes de hoje sejam os cavalos. Pô, pegam e deixam damas nos altares com muita velocidade, oitenta cavalos, sei lá quantos, talvez aquelas motos enormes tenham mais cavalos do que tinha em Tróia.
Derramou algumas sentidas lágrimas que, para seu espanto, congelaram na descida. Ficaram como pétalas grudadas no rosto. Correu ao espelho: estava linda! com aquelas lágrimas estupefactamente (leia-se com o c bem pronunciado) coladas na pele hidratada.
Que fazer, ó destino, com tanta lindeza pós mortem?

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terça-feira, 11 de maio de 2010

tarde fria (sinto frio nalma)

O ar está cortantemente seco. Coisa de 20 por cento, deve ser. Das narinas o sangue escorre de vez em quando. Hoje seria dia de faxinar a cozinha, pois é o único dia de folga. Mas, deixa para lá, Macabéa vai descansar as pernas. Há muitos anos não fumava um cigarro. Deu vontade. Procurou nos bolsos dos casacos cheirando a mofo, nas bolsas velhas, dentro das gavetas, inclusive na gaveta dos talheres, dentro de caixas de documentos, caixinhas de bijuterias - sim, pois naquele tempo de fumanete, havia bitocas e cigarros amassados em toda parte, todo cantinho da casa. Ah, mas já não era a casa, senão, certamente, haveria uma bitoquinha na janela do banheiro. Sair à padaria, comprar um maço, eis a questão. Foi.
- Tem cigarro?
A moça olhou para cima, para a enorme vbitrine cheia de entusiasmados rótulos de cigarros flamejantes de cores, rótulos com fotos de um homem morrendo, um outro todo ligado em máquinas, uma criança chorando..e nem respondeu a pergunta. Macabéa olhou, olhou, a fila impaciente já cutucando um pouco.
- Tem fraquinho, cigarro fraquinhgo?
Um senhor indicou com a mão: aquele ali é fraquinho.
Comprou e voltou para casa apertando entre as mãos congeladas o maço nojento de papel sedoso. Abriu ao chegar em casa, acendeu o fósforo, chupou o veneno para dentro e não veio nada. Chupou com mais força, nada.
- Bah, isso não é cigarro! E jogou no lixo o maço. Mas lembrou de guardar umzinho no fundo da mesinha de cabeceira.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Atitude, é a palavra! Ação, claquete! Imaginava-se uma artista famosa e colocava os óculos enormes coomprados no camelô da 25, e esgueirava-se pelos cantos das ruas, com o cachecol enrolado tres ou quatro vezes ao redor do pescoço, a cabeça baixa, andando depressa, Poderia perfeitamente passar por uma artista tentando manter-se incógnita, por que não? Outro dia viu pes-so-al-men-te a Odete Roytmann na livraria, e ela estava bem assim mesmo: uns óculos enormes, num cantinho, o gerente levando-lhe os livros, dando palpites (parece que queria um presente). Depois,no caixa, um senhor incoveniente se colocou entre as duas, justamente quando ela (Macabéa) com ar de superioridade condescendente fingia ignorar a estrela, e perguntou, indiscreto:  a senhora não é do teatro? Ela: - é...- Porque a senhora se parece com uma pessoa conhecida. Macabéa não aguentou, enxerida, disse: ela lembra a Odete Roytmann (nem sei mais como se escreve o nome\).. Para meu desgosto ela revelou seu verdadeiro nome, olhou para Maca e soltou um sorriso largo, no que foi imediatamente correspondida, como se fossem iguais estrelas,
Era noite alta. Macabéa acordou com uma dor familiar no estômago. A dor da fome. Levantou-se quase que à força, enrolou-se no casaquinho preto, pôs as velhas pantufas nos pés gelados e arrastou-se até à cozinha. A geladeira não funcionava,  só como armário. Abriu-a para tentar adivinhar alguma surpresa, mas que nada...só o macarrão de ontem, endurecido, e graças ao frio que estava fazendo, ainda em bom estado.

Encarou-o com coragem, acendeu o fogãozinho de duas bocas - ai que alívio, acendeu! - colocou um pouco da margarina sebenta no fundo da frigideira, mexeu a massa de lá para cá várias vezes, até que acreditou estar esquentada. Passou-a dali para o prato, jogou mais margarina por cima, um pouco de sal, abriu a janela da cozinha que dava para o paredão do presídio, encolheu as pernas e colocou o prato sobre os joelhos, sentada no banquinho alto. Ali era sua vista particular. Via vultos, figuras, cenas e paisagens nas manchas escurecidas do paredão sujo. Hoje ela viu uma sombra parecida com a dela própria, sentada com os joelhos levantados.

Era engraçada aquela moça Estava magra de  tanto comer macarrão, como se isso fosse possível. Macabéa Alice vive só de pão. A falta do espírito acende-lhe desejo de voltar a um certo tempo, quando era uma pessoa espiritual e acreditava no bem, no mal e nas pessoas. Acreditava. Aquele momento telúrico repetia-se inúmeras vezes na semana, por isso andava de olheiras negras: acordava com fome, comia o macarrão ou a lasanha engordurada e pensava em Deus, na sua família, nos filhos que tivera e que o mundo engolira.

Esvaziou o prato raspando com a colher o pouco de manteiga que ficara no fundo, mas continou lá, olhando as sombras, o passado, Deus, a familia, os filhos que o mundo havia tragado....