domingo, 31 de janeiro de 2010

"dia de luz, festa de sol"...e o barquinho?(poema chatinho)

aqui (ó)
o barquinho:
veja.
não há sol,
só nuvens,
e o barquinho...?
veja.
céu tão azul,
e o barquinho..?
veja
o barquinho,
veja:

(para ser declamado com um barquinho de papel nas mãos, ou então, enquanto faz o barquinho, ou então...
fazendo bolinhas de sabão, ou então...remando mesmo um barquinho em Veneza? sei lá...)

flor de amarelo rápido

talvez a flor que brilha
distante cor de solidão
talvez o calor abrasante
ou a tempestade...


(flor de amarelo-rápido,
cor de esperança-flor)

talvez a nostalgia se desfaça
num único lio...num último nó
essa ousadia de viver tão só...
talvez acabe
como o relogio sem pilha
de repente...
se vá como La Nave,
- quem sabe?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

desejos vassalos/antes que a morte venha

como comprar ódio e bebê-lo em longas taças...
absorvê-lo,
a cada golpe de despejo...
a cruel
indiferença, o desprezo...?

como, sufocar a vida entre os travesseiros,
e
depois sorvê-la em um gole só...,
festejar a calma de um amor longevo,
manso,
domesticado ao tempo...
- como?

Como estripar os sonhos, um a um,
no destempero
dessa noite sórdida...
e calar desejos que se instalam
densos e perfeitos no
corpo que sequer viceja...,
como?

como... o quinhão da vida
sem deixar que a taça
transborde e saia pelo ralo...
como,
a imundície fina dos "fiéis vassalos"...

domingo, 24 de janeiro de 2010

despostei, tava ridículo....kkkk

Línguas Negras

e os artífices mudam a cada instante.
mazelas, credos e crendices
atrapalham o trânsito...
mudam-se constantemente.
novas armas lhes
apontam,
agressividades inculcadas e semiocultas fazem-lhe encanto
em frágeis armadilhas de absinto,
apontam os dardos e atiram a esmo.
fraquezas sustentam os seus cantos e mixórdias.
línguas negras e
seus adjetivos asfixiados.
corpos tatuados... mentes em anestesia
penínsulas arrastadas pela correnteza...
subsistem de palavras que odeiam e riquezas que não lhes pertecem.
sobrevivem
da inveja e rastreiam o ódio com a pólvora de um incenso.
fazem sátiras e correm com destreza,
imaginam-se imunes e superiores -
indigentes - cobrem de tristeza o próprio corpo,
desfilam falsos
dentes brancos, fumam seus cigarros e exalam a fumaça do desprezo
pelos que viveram, apontando as farpas de suas línguas negras em
paródias mal feitas e falsas cópias do tempo de absinto,
esse tom amargo de quem não deseja e sente

viajantes raros de um planeta da esperança (o porvir) desfeita.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Nada.
Precária noção do Tudo
Amanheceu

Estúpido Cupido
Que mordeu a minha orelha,
Morra.

Porque falar de amor
É só prioridade

(Essa cadência
Que desfaz os sonhos
Quando era Tudo).

.
e no dia que


em mim derrames

esse interior que arde

e eu conheça a doce aventura

de encontrar-te

e...

calada, apenas solitária,

esquecerei as palavras

- estarei livre

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

a arte de escrever em público/a grande feira

Ausente de emoções é como deve ser. A arte, as comparaçoes, as vivências, devem ser expurgadas em outros cantos. Não se deve deixar escapar nada de sobrevida e desamores. A vida pode ser cruel, mas a gente tem que fazer a limonada...e colocar gelo. Esfriando todas as partes do ser, descongelas as veias e partes. Escrever é inventar, criar, mas tuu não escapas pois teu coração desperta a cada dia com loucuras a serem escritas e inscritas de alguma forma, antes que morras. E tudo passa a ser questão de vida ou morte. O papel submisso toma formas violentas e, como teatro, escreves e és lido ao mesmo tempo.
Nas novas maneiras, não escapas de julgamentos frios, severos ou benevolentes - ou sinceros, ao tempo em que constróis personagens e observas da tua cadeira de mestre, os outros mestres e os aprendizes sabotando ou amalgamando a massa como deve ser.

Catarses à parte, concentras-te na frieza e dedilhas no teclado já em desbote de tão gasto, as aventuras que viste, leste ou viveste, ausenta-te de emoções e partes. Camuflas as palavras e te escondes, como no jogo, por detrás delas e amarras com forças teu ego para que não sobressaia e não te roube a ti, teu próprio texto. Sérios, circunspectos, concisos, os textos envergam a tela e outros nem tão levados em conta, como braçadeiras e algemas são deixados de lado na enorme feira.

Descartas emoções que veem à tona, o cimento da amálgama é verdadeiro, e há que enterrrá-lo junto às paredes? Talvez não seja necessário.O crucial é que escondas o teu verdadeiro. E mintas, sempre, sempre. Aqui e ali talvez te caibas em um pequeno texto, escondido em meio às flores que a platéia joga, se as queres de volta, pois tu mesmo as jogaste na esperança de colhê-las paradoxos.

"A cena é uma enorme parede que fica num beco escuro, sujo e fedido, perto da minha casa. Ali ela estava, e do batom manchado na sua boca escorria um caldo estranho, avermelhado. Era sangue."

Um bom começo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eu sei que tenho um jeito de maluca quando escrevo, quando ando, quando penso. Não me importo mais: que pensem!  Não me importo mais, já me perdoei. Entrelinhas e borrões fazem o meu pensamento. Construo muros e pontes até não poder mais. Definho muito a cada dia, com dificuldades para dormir e respirar. Tudo mentira, e isso é mentira, também. Meus personagens desfilam diante de mim o dia inteiro. A cada um dou boas vindas. Um não dorme, o outro bebe, a outra sofre, o outro ama, aquele alí desanda os andares do prédio todo com seu cigarro fétido, eu sonho...

Os dias ora se arrastam, ora -  surpresos comigo, se arrebentam quando o sol esfria. Somos todos irmãos, escuto e entendo, mas não faço. Tenho preferências, assim como tendências. Sou ruinzinha e terrível muitas vezes, e, assim como criança, confesso e me castigo. O que escrevo não tem nada a ver comigo, não tem. Consigo ser outra quando escrevo, e isso é o que me salva da loucura. Estar sendo outra todo o tempo.
Olhando minha boca no espelho, meus olhos na varanda, as curvas dos meus lados, tudo se esgueirando entre rugas que nascem em profusão.

Nado como todo poeta que se pretende  no mar que oscila entre o perfume e a podridão, e amor e escuridão, entre rimas, navego, ora...! Posso, enfim, dizer que sou poeta? Nunca, esse desafio parte ao meio o meu cérebro. Quero apenas essa parte anuviada, tenieblas de la solidão, fazendo-me companhia apenas o que quero - elegendo reis, párias e princesas no castelo.

Claro que fiz tratamento - claro, foram quatro anos de terapia intensiva. Como todo louco, eu me dei alta, depois mandei um quadro de presente para o médico, além de pagar a conta. O quadro tem muito valor para mim, ele, provavelmente, vai jogar no lixo. Ou trancar a porta do galinheiro com ele. Depois vai saber o que está perdendo. Meu trabalho é "artístico", me dizem isso como elogio. Não entendo. E daí?
É por que não sabem o que dizer - é difícil, eu sei que é um trabalho que poucas pessoas conseguem gostar. Apenas as que compram minhas telas, são capazes de gostar...aí eu sei que elas gostaram, porque pagaram.

conto de terror

Nada era como antes. No castelo, as paredes choram um choro constante e Macabéa esperava. As folhas secas formam um longo tapete até a porta de entrada, o silêncio petrifica nos rotos tapetes, um cheiro fétido de borracha. Macabéa sentou-se solenemente aos pés da escada e ficou plantada.

Ontem à noite passamos pela estrada eu e Chapeuzinho e levamos para a vovó Maca umas frutas num cestinho...O Lobo não passara ainda e Macabéa esperava.

Poor Maca! O sonho apodrecia, os Príncipes esgotaram-se, e suas Barbies agora enfeitavam a grotesca sala, onde há de tudo, até sofás, poltronas e cadeiras. A única idéia de sobrevivência parda vem da geladeira: uma lasanha congelada, sempre fora a sua paixão. Insistia: "ele vem!" Essa atração pelo Mau até à própria assustara. Quando ele a raptou, era apenas uma menina, a paixão foi naturalmente brotada e cresceu como erva daninha e amarga no âmbito do Castelo do Homem Sem Alma.

Da menina, um sonho. Pendurou as Barbies na cozinha, cada uma amarradinha a um objeto e suas sombras projetadas. Ninguem suspeitava daqueles rituais macabros e tampouco suspeitavam que aquilo era sofrimento. Parecia amarga, Macabéa, parecia velha...Não conseguia despregar os olhos das sombras projetadas e postava-se, sempre solene, naquele jeito dela se fingir eterna, de pernas cruzadas, com uma elegância arrogante, o casaquinho sempre ali, à mão, pendurado no cabide de acrílico transparente atrás da porta inútil da sala inútil, pois a cozinha lhe bastava. Meu reino por uma cozinha, era o seu castelo. E ficava.

Transparências absurdas e mãos de veludo acariciaram-na, vindas não se sabe donde, para amá-la. Às vezes um pai, um tio, um irmão. Eram sonhos misturados às grotescas fantasias das Barbies penduradas.
Esperava.
AMOR


se eu falasse agora

sobre o amor

uma única palavra,

de todos os traços

o mais preciso estaria

diante da minha face

satisfazendo-me

as vísceras:

verme que pulula

em cada um de nós

(cada dia cada aflição)

a este ser devastador

me entrego!
nada haver alem do existir -
eu ser. pelo menos da palavra
que existe, sei...e ao menos
dessa inquietude, esse enjoo
que está em mim, vomito...
Dessa sede
que me entorta
e  me
apascenta
como ovelha,
como ovelha...

Se me deita
à rede
se me enrosca
qual novelo,
qual novelo...
de lã tosca

E de esta dor
que se me dói
sem jeito, e
se instalou
no peito...

se me deita...
se me deita

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ah, salvar as cores
que me mordem
e me caem
feito gotas
no oceano
queimam

Ah, transferir
os doces
artefatos
as imagens
toscas
de palácios
príncipes
escravos

Telas
Que vos faço?
No seu blog
estava escrito
(nas estrelas)
vem comigo!
- Vou!

.................


Hoje acordei mal
Mal humor
Cara má
Tudo ruim
- que houve?

................as estrelas que estavam aqui não estão mais.
raiou o dia
e, com ele,
a última
estrela
recolheu-se

domingo, 17 de janeiro de 2010

Ela foi à tal festa. Vinte e cinco reais e a moça garantiu que ela ficaria sentada:
- Olhe moça, eu venho só, então eu preciso que você me assegure que não vou ficar de pé, preciso ter certeza que vou ter um lugar para sentar.
- Ora, dont worry, disse a moça, porem em português com seu sotaque cearense. A menor dúvida, você vai ter sua mesinha.
Foi-se Macabéa para a festa. Era um show de Benito di Paula. (PS.: Estou excitadíssima para contar, pois foram tantas emoções, tantos detalhes, nem sei se vai caber na tela do pc...). Não encontrou mesa, muito menos cadeira. Era uma multidão, parecia uma quermesse, tinha fila para tudo. Bom, isso deve ser o que chamam de show hoje em dia. Nos bons tempos de Maca, no interior, era festa do interior e tava acabado. Show a gente ia e assistia Hoje é um pouco (muito! confesse Maca, mesmo que denuncie a sua idade) diferente. A platéia é o show, sua inquietação, sua procura por bebida, os homens por mulheres, as mulheres por homens, enfim deve ter sido sempre assim. Macabéa estava na gaiola doirada do amor e não percebeu que os tempos mudaram, tanto que ela só saiu quando a porta da gaiola enferrujou, caiu de podre...ela estava livre, e como diria Clarice o que fazer com tanta liberdade? Show.

Voltando ao enredo: não encontrou cadeira, nem mesa, nem garçom, nem gerente, um tal de Sr. Humberto que não existe, perambulou pelos depósitos de engradados de cerveja e encontrou uma cadeira muuuuuuito suja, muito velha e meio capenga, dessas de plástico. Por sorte Maca é magra e não desmontaria a bicha.
Procurou um paninho qualquer coisa para limpar, nada. Bom, carregou a cadeira pelo braço e seguir rumo ao gargarejo. A essas alturas achava-se com todo o direito de ocupar o melhor lugar. Às vezes tinha que carregar a cadeira na cabeça. Estranheza de alguns, ela oferecia a cadeira por cinquenta reais, de brincadeira. Sentou-se dignamente, com as pernas cruzadas, casaquinho ajeitado e bolsa atravessada..

Os garçons, com certeza, desprezaram-na como sempre. Cadê o "SIM!" ao seu lado? (nota do tradutor: SIM com letra maiúscula significa homem, acompanhante, coisa do gênero). Nada e nada. "Ei, moço!", "Garçom!", "Ei, por favor". Agarrou um pelo braço, ele assustado, todo suado, ela muito séria "Qual o melhor uísque que tem aí".com cara de "essa dona não sabe nem o que é uísque", respondeu "É (olha, esqueci, apesar do ingles fluente que Mr. Brian insiste em me fazer falar - não era, Teachs, claro, nem Black White, nem Ballantines,era coisa melhor, muito melhor). Ela: ótimo. Traga uma garrafa. O assustado gargom "moça, custa duzentos e vinte reais..." "Traga!", disse imperiosa. Sem mesa, apenas as pernas cruzadas, com certeza não caberiam ali um copo, uma garrafa de uisque, uma garrafa de água mineral, um balde de gelo, um copo de requeijão com uns gurdanapos dentro. Bem, o homem teria que trazer a mesa e os etcéteras.

Ela fez de propósito, estava furiosa. Pegou a cadeira, atravessou o enorme salão, e lá do outro lado, repetiu a mesma cena para outro garçom, essa raça nojenta e asquerosa que trata mulher sozinha como se fosse um trapo jogado fora, e não tem dinheiro para pagar a conta. Desculpe ser tenho algums leitor garçcom, mas não posso dizewr onde eles devem ir, porque minha santa maezinha nunca me ouvir falar isso que estou pensando, mas, não se enganem, falo, e muito.

Estava agora na primeira "fila", mas parecia uma passarela, uma BR, sei lá o que, não parava de passar gente à sua frente: ela pedia: ó,pór favor, dá pra sair da frente porque paguei muito caro por essa cadeira e cheguei muito cedo para pegar esse lugar. Mentira. Macabéa essa noite tirou para mentir.

Tinha chegado a hora fatal, decisiva: tinha que comprar cerveja: primeiro uma fila para o tíquete, depois outra para a cerveja. Que fazer com a cadeira. Uma moça finíssima abraçada a um cavalheiros finíssimo.cheirosésimos estavam na mesa ao lado. Cara de pau - "Querida (sim, quando ela quer parecer mais velhinha do que já é, ela chama as mulheres de querida - elas ficam sensibilizadas, coitadas, faltam dizer "sim, minha boa velhinha" - "dá para tomar conta da minha cadeira enquanto vou pegar uma bebida". A moça finíssima olhou para a cadeira e o nojo era nítido e claro como o sol que nasceria no outro dia, se houvesse sobreviventes, respondeu diante do inusitado (nesse tipo de história cabe bem um lugar comum - sem trocadilhos - nota do caça-lugares-comuns oficial da editora), "é...posso".

Na fila, foi super divertido. Ela teve que fazer fila paralela, porque o homem atrás dela, empurrava a barriga enorme cotnra ela, encostando nela, foi quando chegou à conclusão que barriga grande é o substituto de órgão sexual masculino. O homem a estava bulinando, literalmente, com a barriga. Pediu licença à moça que estava à sua frente e explicou a situação. Macabéa é assim: ela adora horrorizar as pessoas dando explicações que elas não pedem. Cerca de quarenta e cinco minutos depois de barrigadas, italianos paqueradores e aflitos por companhia, parlando e parlando com las manitas buebas, finalmente três tiquetes para comprar cerveja. Rumo ao bar. E preocupada com a cadeira, Macabéa ficou lá com os cotovelos no granito do bar "ei, ei..." As histórias se repetem sempre. Ufa, voltemos à cadeira.

Estava lá, não tão firme e nem tão forte como sempre foi. Sentou-se na sujeira podrona da cadeira e, para surpresa sua, o show com Benito di Paula começou meia hora antes. Quando ele entrou em meio às situações comuns de luzes, gritos e tais, percebeu o porquê do adiantamento do horário: mais um pouco o sujeito não estaria mais alí e sim em coma em algum hospital. Tinha um contra-regra fazendo os movimentos que ele deveria repetir no palco, e esquecia as letras da música, e quis homagear um compositor cearense, e não sabia a letra da música. A platéia, claro, já devidamente alcoolizada, mas não tanto quanto o protagonista em questão, fazia o coro e cantava as letras que ele não sabia. Nada como ter fãs leais.

Enojada e decepcionada, Maca pegou sua cadeira, colocou na cabeça por causa do trânsito pesado e foi agora para a parte central da grande arena. sentou-se quase atrás de uma mesa de quatr lugares, e quem a visse nunca imaginaria que não fizesse parte daquele grupo. Encaixou a cadeira e foi ficando. Por coincidência o primeiro garçom a quem tinha pedido o uisque passou pelas redondezas, ela abordou-o do alto de sua falsa integração em um tão seleto grupo, perguntou "cadê o ouisque lhe pedi, moço?" Ela sempre tinha um plano de vingança contra os garçons...."foi pra mim não, dona!" Saiu-se bem, o infeliz.

Benito estava um caco, em todos os sentidos. O som zumbia e apitava, os garçons suando suas camisas amareladas, ja´tinha alguns bêbados cercando a cadeirinha degradada, resolveu ir embora. Mas ainda tinha humor no repertório. No caminho de saída, perguntou a um homem bonito: quer comprar essa cadeira?: Ele, olha,realmente um homem espirituoso, sagaz e inteligente respodneu: quanto é? Vinte e cinco, respondeu Macabéa. Dou cinquenta se você trouxer a sua! Cotação alta, Macabéa ficou contente, mas estava cansada, não aceitou a oferta.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

|O que eu sei não cabe num dedal

A receita simples para ser feliz

Hoje ela vai dançar. Vai colocar suas sandálias prateadas altíssimas e vai dançar. Vai sentar-se naquela mesinha individual à esquerda, de frente para o palco. Quando a música começar, ela vai batendo os pés no ritmo, por debaixo da mesa, depois os ombros começam a mexer-se nesse mesmo ritmo, vai levantar-se e dançar sozinha. Já fez isso outras vezes. Acontece que ela dança tão bem, ela está tão feliz por dançar, que todos a olham, ela sabe. Nem aí. Continua dançando, na sua mágica que brilha nos rodopios e pulos de alegria do seu corpo. Vai dançar até cansar, descansar um pouco na  mesinha à esquerda do palco, depois começa tudo de novo. A saia é rodada...rodadona. Nessas noites sente-se feliz e vazia dos pensamentos que atormentam, das preocupações, das outras coisas afins. Não sente solidão, nem desejo, nem ausência, só sua presença ardente e provocante nos movimentos do corpo jeitoso. Um ou outro vem convidá-la para dançar, mas na maioria das vezes ela recusa. Uma vez aceitou o convite de um sujeito idoso e ele tacou-lhe um beijo no rosto e ganhou-lhe (isso não está certo) um tapa na cara. Mas antes ela parou de dançar - depois do beijo, e enquanto gesticulava um braço hitleriano, disse "calma ae!", e sapecou o tapa  no indivíduo. Sempre show, a Maca.

Já perceberam que tem gente que confunde as coisas.?

Outra vez, dançou com um homem alto, altíssimo, tanto que as suas sandálias salto 12 não chegavam nem ao queixo dele. Mas foi bom, ele dançava bem devagarzinho como quem estava concentrado. Não errou nenhum passo, não disse uma palavra, mas segurou-a com uma força gostosa, o que fez com que ela se sentisse segura, presa em seus braços, resultando numa dança perfeitamente harmoniosa, bonita de ver, bonita de dançar. Técnica. Ela ficou muito impressionada com esse homem, mas nem sequer sabe o nome dele. Ele talvez não queria só dançar, ou ele queria só dançar, não sabe. Parecia triste. Por que os homens solitários são tristes, por que o animal homem precisa tanto da mulher? Ora, está escrito: "farei para ti um complemento, uma companheira" e fez da sua costela (do homem). Esta explicação é perfeitamente plausível para entendermos,afinal, porque os homens quando deixam as suas mulheres ou são abandonados por ela, logo logo arranjam outra. Eles tem disponibilidade perene de costelas.

Depois de dançar, geralmente é até duas horas da manhã, volta para casa animada, cansada e ainda espantada  com a força das suas pernas e a vivacidade do seu ser. Ainda, essa palavra que odeia, soa mal aos seus ouvidos. Tira a roupa e veste a Camisola de Dormir, feliz, feliz. Liga o despertador para as cinco horas, hora local, hora de pegar o metrô. Revisa a bolsa, os trocados da passagem, estica o casaquinho preto em cima do sofá, deixa tudo OK.

Feliz como só os pássaros sabem ser, Macabéa, vai dormir.  É simples ser feliz, é a fórmula de Macabéa. É so dançar.
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

poesia bipolar com leves traços

caminha círculos
em volta de si
mesma
em
rodeios
disparata versos
tiros de escopeta
reverberam
e chicoteam
o silencio
murmura
inquietações
na
contramão,
no
atropelo de quem
era
na tela fina
firme e vesga
da tv
a vida gela
pedras e paisagens
frias...
cantos desafinam
...

om/jan

Semi-humana, subumana

O corpo está pesado. Tem que levantar-se e há muitas coisas a fazer;. Alguns fatos passados reviram-se na memória como ecos repetidos de um cântico de igreja que cantava há muito e músicas das memórias de sua mãe feriam seus ouvidos, pela voz trêmula e fraca. Desafinava. Como o seu corpo naquele dia. Em transe, levantou-se e tomou uma lata de energético, precisava. À noite passada, tinha tomado 30mg do remédio. Nem dormia, nem ficava acordada. No limbo do dia iria enfrentar esse desespero. Já sabia que derrubaria coisas no chão, que talvez batesse com o carro numa contramão ou numa árvore, que atropelaria algum pedestre, que um ladrão roubaria sua bolsa e começaria tudo de novo: BO, segundas-vias, tudo. E a família - "de novo?, de novo?" Sim, ela precisava de alguem que ficasse com ela nesses dias entorpecidos. Mas não podia deixar transparecer seus vícios: drogas e manias no calendário de testemunhas,

Nas noites em que ser revirava na cama, de um lado outro, às vezes desistia, lia alguma página de livro (tinha uma pilha de trinta na mesinha de cabeceira), ia até à geladeira várias vezes, mas nunca, nunca tinha algo comível. Só bebível: a famosa H2O. E se bebia muito, vinha a vontade de ir ao banheiro, começava tudo de novo. Inferno.

Estou muito só, pensava - mas não queria perturbar a felicidade de ninguem. Às vezes telefonava para uma amiga, e perguntava "tudo bem?", a amiga respondia "tudo ma-ra-vi-lho-so!, e você?" Não se atrevia a soletrar o maravilhoso, apenas dizia "tudo bem, estou indo". Então, ela não poderia  perturbar a maravilha das pessoas, o maravilhamento das pessoas. Não podia, como o Fernando Pessoa ficar "farta de semi-deuses". Ela era a única na contramão, na contralinha, na contraestação, na hora errada, a pessoa certa, ou a pessoa errada na hora certa. A única "semi-humana". Ninguem podia desconfiar, não. Só causaria dor e miséria onde chegasse, todos fugiam dos humanos.

O lema é ser feliz. Não havia tempo a ser desperdiçado com a miseria dos outros. Uma vez conheceu um rapaz que durante três horas e meia falou sobre uma namorada que tinha botado chifre nele. Macabéa escutou pacientemente, com os ouvidos bem abertos e ainda teve a misericórdia de aconselhá-lo, solidária com sua dor. Mais tarde, quando ela pensou: agora talvez ele pergunte algo sobre mim, ele, simplesmente chamou o garçom, dividiram a conta e foram embora. Putz, pelo menos a conta do pisquiatra não seria tão barata. Pequeno monstrinho semi-deus.

Vou cuidar da vida, como certas pessoas ainda dizem nos dias de hoje, pensou, enquanto alisava o casaquinho preto para tirar os pelos e cabelos que porventura ali estivessem, ou caspa, nunca se sabe. Descobriu uma pequena mancha de sujeira na manga esquerda, foi ao banheiro, esfregou o sabonte seco, depois um pouco de água, estava pronto o casaquinho preto. Mais uma jornada. Agarrou a bolsa enorme e foi-se.

Perdida

Canso, irrito e ando em círculos


em volta de mim, sem arrodeios

Tonta, disparato os versos simples

que apenas reverberam e chicoteam



Dantes quando eu era apenas virgem

e as sobras dos encantos que passaram

agora na tela fina, firme e vesga de uma vida

passam filmes de horror, ledas paisagens



Traços em letras apenas as visagens

saudades épocas que passam, a lida,

a sombra dessa simples dor...

embala minhas horas de agonia

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

SUBALTERNOS/Renúncia Pública/O fim de Macabéa


Sempre como quem se dirigia a um subalterno, sempre aquele ar arrogante, a pressão psicológica, um olhar frio e premeditado como um assassinato congelava-lhe a espinha e levava-a à destemperança. Ou bebia, ou fugia. Refugiou-se na bebida, e até aí nada de especial. Apenas mais uma mulher atolada até à medula em ressentimentos e desilusões do casamento.
Até ai nada de fora do comum. Mulheres comuns, homens comuns, casamentos atolados em dívidas e desesperos. Mais um.
Seu crepúsculo tem sido igual a qualquer um. De solidão, angústias pequenas e grandes, saudades, remorsos, confissões de pecados, e um tédio assolador. Um crepúsculo sem esperanças, sem netos, sem filhos, sem amigos. Desde o dia em que saíu para não voltar, erra sem rumo em meio a pessoas que não querem saber dela. Quantas vezes pensou em morrer, grande coisa - dirias, quem não já pensou nisso?
Diga-me, quem? Tampouco grande coisa. Uma história comum, embora a Macabéa da sua vida tenha dado saltos enormes e quedas equivalentes a aguardaram sempre, ela sempre se refazia. Forte e faceira, matreira em todas as idades, viveu completamente mergulhada na loucura controlada. Hoje da Macabéa rápida e fagueira, resta uma velha. Nem tanto, me dirias. Sim, repito. Tinha lutado com todas as forças pela Macabéa doce e real que existia nela - aquela sem grandes sonhos, mas tambem sem pesadelos, que consultou a cartomante e acreditou no destino feliz. E na hora de morrer tinha um sorriso no rosto. Quantos rostos, quantos sorrisos...Macabéa morreu atropelada. Não sentiu a agonia da morte porque o que ela viu foi seu príncipe, e não seu algoz, nem a cara do coveiro. Com um sorriso nos lábios, foi-se para sempre. Mas deixou uma saudade impertinente, uma falta de jeito para crescer e ser feliz; sua morte ocasionou a dela.
Dores crepusculares nos joelhos, perdendo o gosto pela alegria, embotada de pequenas tristezas, procura nos olhos algum brilho, um reluzir, uma chama que reafirme a certeza de que está mais Macabéa do que ontem, um pouco e...nada!
Reduzido a cinzas o corpo já desliza para a cova, onde, entre outros, está seu filho. Não chora mais, nem a arte, nem a fé, nem as poucas relações que ainda tem são consoladoras. Filmes, tv, algumas cervejas, um telefonema, algum plano insosso sobre pintar um quadro...Está-se esvaziando e sabe que  é o fim.

cabeça de chave


Todos os dias, das 14 às 22 horas, ela trabalhava como gandula no Clube de Tenis. Hora paga e algumas regalias como ganhar camisetas de torneios e pedaços de bolos nas festas de aniversários, comemorações, e outras do tipo realizadas entre os tenistas. Enfim, sentia-se quase uma sócia-atleta do clube de elite, quase uma família que nunca teve (é...enredo triste, mas não desista, apesar dos lugares-comuns, hoje pode ser meu balde, amanhã pode ser o seu - lugar comum: balde,areia, notas da escritora)

Quando começou era franzina, magrinha. Corria muito e era muito atenta durante os jogos, nunca perdendo um movimento dos jogadores e nunca errara o alvo ao atirar a bolinha para o jogador da vez. Vista com carinho por todos. Até um dia descobriram que era o aniversário dela e fizeram de improviso uma festinha, cantaram parabens e alguem correu na padaria mais próxima e comprou um bolo de padaria (!). Ficou feliz.

Macabéa foi crescendo e jã não eram mais aquelas pernas secas, esturricadas de sol, aquelas canelas que pareciam dois gravetos fincados nas areias vermelhas das quadras de tênis.

Foi amadurecendo seios, nádegas e as pernas, meu deus, as pernas eram as pernas mais bonitas daquele clube. Bela. Sua beleza brilhava como amarelo gema ao sol.

Passou a escutar piadinhas maliciosas dos garotos e os velhos extrapolavam de vez em quando nas gorgetas.

Ganhou uma raquete Wilson quando ainda era pequena, mas sempre estava abraçada a ela nas horas vagas ou então treinando no paredao com as bolinhas peladas que os tenistas dispensavam ...Boa observadora que era, aprendeu logo logo os golpes e as manhas do jogo. Começou a participar de torneios e os sócios tenistas icentivavam pagando as inscriçoes e às vezes tinha até torcida. Ela, sempre muito tímida e de olhos baixos,aprendeu . Era boa. Era ótima. "Sonhava em voar nas asas mágicas da sua raquete e conquistar o mundo". Astuciosa, desenvolveu com perícia um backhand fantástico, os drives e aces (indefensáveis). Vibrava a cada set point, a cada game a a cada vitória. Vibrava como as cordas tensas de nova raquete Wilson carbono.Drives e aces inesquecíveis. Backhands eram seu forte.

A moça bonita era cheia de graça e os meninos estavam apostando entre si quem a conquistaria primeiro. Coisa em euros e dólares. Perdição, a morena foi engolida pela vaidade e cedeu para o prazer de um riquinho, virando troféu que todos os garotos queriam possuir. Motivo de chacota entre eles, Macabéa percebia e sentia-se humilhada. O tal garoto...sei lá, parecia ter desistido dela e de seus encantos virgens.
Os outros todos queriam experimentar a doce aventura de penetrar a linda Macabéa.

As esposas dos tenistas já a olhavam com as testas esticadas de botóx  mas os olhos expressivos de desconfiança. Piadas, risadinhas, todos sabiam da história de love da moça. Continou vítima das apostas e seus olhinhos quase sempre, quando não estavam centrados no jogo, estavam fixos nas cordas da raquete que endireitava com atenção, gesto que os tenistas repetem sempre para concentração. Dava algumas aulas particulares a crianças impertinentes e sem talento e velhos barrigudos que usavam o pretexto do jogo de tenis para poderem se reunir com outros homens e tomar cerveja depois dos jogos.

Um dia, enquanto separava com os dedinhos aflitos a imperfeição dos quadradinhos das cordas da raquete, num insght profundo, fruto de longas observações e solidão exacerbada, uma nova palavra veio adicionar-se ao seu já extenso conhecimento de inglês técnico.

No pequeno quartinho onde mora, na casa de uma tia, Maca nas horas vagas,agarra sua raquete Wilson e  fica a arrumar cuidadosamente os quadradinhos das cordas frouxas, desemparelhadas, carinhosamente,enquanto assiste jogos de tênis pela TV.

Da tenista não há mais nada, nem tampouco da gandula. Apenas uma moça triste, virada para dentro de si.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010


Este é o Grupo Poemas Violados - misto de poesia e violão, onde cada um é poeta, diz suas poesias e tambem de outros autores. Violão, flauta, gaita intercalam os poemas. Às vezes as músicas se relacionam com os temas poéticos, outras vezes é livre. Infelizmente terei que abandonar o grupo porque estou indo para outro lugar do país. Acredito que vou deixar saudades. Acredito que vou levar saudades. Isso ái, música e poesia, eu amo.

Perfil


Esta é Macabéa Mota, escritora em fase de acabamento,
de aprendizagem, cursos intensivos. Totalmente dependente de pílulas para dormir e de reconhecimento.
Apreciadora da leitura, costuma ler o mesmo livro dezenas de vezes. Apaixona-se pelos personagens e cria laços de dependência emocional.
Viveu em várias partes do Brasil e viveu fora do Brasil. Supõe-se que isso deu-lhe vivência no sentido de aprender outras linguas. Nem tanto. Até hoje tem um Inglês travado, um Portunhol horrivel.
Maca é seu apelido, para os muito íntimos, em geral, só ela mesma usa o tal apelido.
Não tem amigos, vive muito só no seu quartinho de hotel em São Paulo, pertinho ali da Praça da República.
Gosta de tocar violão, mas nem todos gostam de ouvó-la cantar, não por causa da voz, a voz é boa, o violão é que mal tocado. Nunca quis aperfeiçoar seus dons. Sempre acha que "já está bom assim". E vai levando.. É maratonista.
Em meio às malas que surgiram dos buracos negros da parte de cima dos armários, de onde muita coisa despencou, olhava o cinto afivelado que amarrava uma trouxa de roupas. Desamarrou-o e e todo o conteúdo despejou-se pela chão encardido. Roupas, nada mais. Seriam as que ocupariam as malas? Não sabia, estava tentando uma racionalidade que não possuía de maneira alguma. O que levar, o que deixar? Onde deixar, para quem doar?

Se pudesse só o corpo levaria. Se pudesse desapegaria o corpo de todas as necessidades. Como seria: um Bispo do Rosário, talvez...Aquele que queria desfazer-se da matéria para pode subir ao céu ao encontro de Deus, Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, esses sábios que não precisavam de roupas, bolsas, sapatos, bijuterias, maquiagem, porta-isso, porta-aquilo, cartão de crédito... Putz...! Sabiam que se tivessem menos matéria a carregar chegariam mais ligeiro. Um ritual de passagem.

Ela, não. O seu caso era mais simples nesse aspecto e complicado de outro - não tinha intenções de subir aos céus e encontrar com Deus, se pudesse promoveria o encontro por aqui mesmo, ela queria apenas e tão somente carregar menos malas e bolsas de mão. As coisas brotavam das gavetas, dos esconderijos, das caixas abertas uma a uma. Uma espécie de afição apertou o coração cansado da noite cheia de pesadelos (sonhou que carregava um caixão leve debaixo do braço à procura de alguem que atestasse o morto, para que se pudesse enterrá-lo. Supunha que ali só haveria ossos, tal a leveza do caixão, e que tambem já fazia algum tempo estava sendo carregado - o resto do sonho só contou à sua mãe, para que sentisse um pouco de pena dela, mas posso adiantar uma pequena parte: o caixao abriu-se).Tudo a ver com a viagem, a mudança. Mudança é morte, e sempre morte, repetiu a vida inteira. Essa sensação sempre a acompanhou nas suas muitas andanças que  despertaram a alma cigana que em si habitava, todavia, a sensaçao de aflição diante das coisas - literais, sempre atormentava.  Ao tempo em que as odiava ao nível do asco, tambem sabia da sua utilidade. Pronto, teria que carregar tudo mesmo.

A pequena Macabéa não tinha quase nada, uma pessoa quase desmaterializada, no material girl - tinha que rir, e esse riso parecia uma sacrilégio porque amava Macabéa, que era um exemplo de vida.

Não deixar nada para trás? Impossível. A "desmaterialização" ainda não lhe era acessível, teria que aperfeiçoar o espírito. As amarras como contas, contratos, consórcios, linha fixa...davam uma impressão de mulher de negócios, quando o seu negócio era somente viver. Onde levaria o violão? Ah, com certeza nas costas (lembrou o caixão do sonho).

Abriu umas outras caixas e descobriu segredos. Cartas, esssas coisas. Rasgou todas em pedaços largos, enfiou num saco plástico e deu um nó bem forte. Lixo. Fotos. Lixo. Cansada de digladiar-se com as coisas, gostaria de tocar fogo em tudo e tentar receber o prêmio do seguro. Iam descobrir, era péssima nos seus planos pérfidos, até o dia de hoje nem umzinho tinha dado certo. Babaus. Pegou o casaquinho preto, largou tudo do jeito que estava e saiu para comprar umas cervejas. Melhor beber para esquecer.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Posted by Picasa

o teu retrato na parede

o teu reboco
ostensivo
tuas mãos
enormes frias
teu brilho tua luz
tua maciez -
ai!
arancar-te
derrubando
os alicerces
asas que fincaram
raízes nesta casa
surrupiar teus versos
apagar estrelas
que brilharam
sobre o mesmo teto
onde estou suspensa
de castigo e raiva
os destinos
que nos prendem
foram-se
como alcatrazes
prendem a seu amo
o escravo
desfaço-me
de tudo
que te lembra
que te vem
e que te vai
esse destempero
essa esperança
dane-se
quem queira
os destroços
destes teus
farrapos
e angústias
do que não deu certo
danem-se os bardos
que atiram
a forças dos seus
dardos
seus dedões
enormes
danem-se
ai!
apenas
a dor
e o desasossego
dos calos
nos sapatos
ardentes
das calçadas

domingo, 10 de janeiro de 2010

crônica do domingo triste/adeus a Macabéa

Ela ouviu uma voz bem atrás, bem nas costas: "Maca!" Voltou-se rapidamente e seus olhos ainda não reconheceram de imediato a voz, antes de pararem no olhar: "Você"? Ela espantou-se. Sim, era eu.
Abraçamo-nos infinitamente, enquanto os sorrisos volteavam ao redor, dentro do metrô. Era eu e era Macabéa.

 Depois de quase setecentos abraços e beijinhos no rosto, finalmente sentamos nos bancos duros do trem e começamos a falar atabalhoadamente sobre o futuro, o passado, o presente. Há muito tempo não nos víamos. Desde o ginásio. Somos primas, mas ela casou-se com um banqueiro e mundos diferentes afastaram-nos. Nunca mais nos tínhamos encontrado. Aquele encontro poderia vir a ser a vida inteira que não tinha sido: o principio do retorno de uma amizade que era tudo na minha vida, que foi até mesmo durante algum tempo de casadas.

Estranhei ela estar no metrô, ela riu e disse que as coisas tinham mudado. Por sua roupa meio puída pude perceber que sim, mesmo. Estávamos mais velhas e desgastadas pelos nossos sonhos de filhos e destinos de mães e donas-de-casa. Onde estão?... eu queria saber. Eram tantos, se me lembro bem. Gostaríamos de ter tido mais tempo para nós, não é mesmo, Maca? Mas não foi possível.

 Ela formou-se em Farmácia, eu, nao me formei em nada, sou artista. Meu desejo sempre foi escrever, ela sabia.

- Eu sei - ela disse, eu sei. Isso me emocionou porque somente a ela mostrei meus escritos bobos de adolescente. Trocávamos poesias e ríamos muito, mas tambem levávamos a sérios as conversas que julgávamos ser profundas, regadas a Herman Hesse, Kafka e sua barata, Clarice (?) e Dostoiévsky.

Planos desfeitos, fobias sob controle, filhos no mundo, eu e Maca repartimos mil segredos entre quatro estações. Trocamos telefones, endereços, lembranças para fulanos, para ciclanos, para beltranos. Macabéa desceu do trem na sua estação e ficou parada na plataforma com um sorriso triste, enquanto eu, vazia de mim, de rosto colado ao vidro, deixei escorrer lágrimas antecipadas. Sabia que teria que dar adeus a Macabéa. E o nariz escorrendo colado ao vidro trouxe-me de volta ao encantado mundo da infância.

Good bye, Maca Darling, assoei o nariz na manga do casaquinho preto, Sei que vou te amar por toda minha vida, eu vou te amar, mas não sei, todavia, quando vou ter coragem para dizer o adeus.

Tenho certeza de que não foi um sonho.. Eu vi minha prima nesse dia, como no outro dia eu vi o carteiro, já velhinho, que trazia as cartas do meu namorado, era ele, juro. Eu vi todos passando brancos e certeiros diante dos meus olhos marejados, entre as filas de bancos do trem acostumado a tantas esquisitices. Deixei voar minhas saudades, os meus amigos e parentes que morreram, todos eles, o meu filho... com certeza, fizeram mil viagens comigo, nas minhas estações.

Das cinzas das Palavras

O estômago revira-se e
As palavras sangrentas,
Esquálidas... se acreditam!
Vorazes verves desabrocham
Em despertares roucos...
Pobres loucas - se acreditam!
Eu, que tenho consumido o tempo,,,
Ele agora me sufoca, desfaz camas,
Aperta o cerco e me provoca azias,
E num ritual de pacto com o vento,
Espalho em frêmitos constantes
As cinzas das palavras que vomito.

...............................................................



Olga Mota

sábado, 9 de janeiro de 2010

vômito das cinzas das palavras

O estômago revira-se e vomita
palavras que, sangrentas,
esquálidas, se acreditam!

Vorazes seres desabrocham
em despetares...
(Pobres palavras, se acreditam!)

Eu, que tenho consumido o tempo -
ele agora me sufoca, desfaz camas,
aperta cintos e me provoca azias.

E num ritual de pacto com o vento
Espalho em frêmito constante as cinzas
as palavras que vomito.

Dívidas

dívidas
para contigo
para comigo
dividas
pessoais
instransferíveis
dívidas
de abusos
cometidos
dívidas
mal pagas
dívidas
mal divididas

BBB - confissões

Estava explícito em seu coração e ao mesmo tempo implícito nas atitudes que ele desistia facilmente das pessoas.


Tenho andado por aí a versejar, a ler, morgando em meio ao vento delicioso, e os pensamentos levam-me a lugares estranhos, que assustam diante da nitidez que minhas verdades assumem. Nunca desisti do pecado, nem das preces, nem do meu Deus. Contradições, paradoxos, regem minha lei pessoal, tremendamente apegada à liberdade-dom. Essa liberdade que significa o maior presente e que me confunde, escrava que fui acostumada à servidão.

Confusa, agito-me em meio a indecisões, enquanto lavro minha própria história e observo condoída as unhas que roo e os cabelos que caem assombrados da vida.

Terei forças submersas e seios sem sentido? Navego entre sombras nas noites de pesadelo, claustrofóbica e assustadiça como uma égua no cio.

Já tive uma gata e mandei jogar fora. Não me arrependo, mas o mesmo não se pode fazer com as pessoas.

No entanto, tenho que desistir. Esse ato de coragem assustador de quem assume verdades arreganha meu ser de muitas faces, de maneira cruel. Tenho que desistir, no entanto, com muita dor. Tenho que voltar, pensar, repensar e analisar meu coração embotado antes de desistir. Desistir é difícil, assim como renunciar, só que renunciar é um pouco mais fácil, geralmente tem outra opção.

Dizer a palavra "desisto", entregar os pontos, perder...é complicado. Desistir de amar uma pessoa, é complicado. Desistir do amor, é complicado. Fazer leilão do amor "quem quer,quem quer"...é complicado...



Olga Mota

olhos em mutaçao (sempre)

"Nunca te vi, sempre te amei"


Este era o filme que passou na tela durante a viagem.

Por que o comissário de bordo que sorriu para ela todo encantado, no fim da viagem olhou-a com cara de ódio, o que mudou? Só por que subiu na cadeira com os seus sapatos sujos? Mas o avião nem é dele, ciumento. Seus olhos mudaram desde que correspondeu ao olhar pois achou que o nome dele poderia ser Wagner. Só isso: Wagner. Achou que ele poderia ser aquele, sabe, aquele Wagner, porém estaria mais velho, se fosse ele. As mesmas cicatrizes de acne no rosto bronzeado, os mesmos olhos esverdeados, o nariz aquilino, o homem era a cara do Wagner. Parou de encará-lo, percebeu que o incomodava.

Quando pegou a bagagem de mão sentiu-se cafona, brega, desajeitada, porque ele continuava a olhá-la com cara de ódio. Meu Deus, que fez ela para merecer uma expressão daquelas? Enquanto estava em pé na fila tirou o espelhinho da bolsa e olhou-se atentamente. Era a cara dela, a mesma, nada havia
mudado.Merecia tanto ódio?

Eu, se fosse ela, perguntaria logo "seu nome é Wagner?". Pronto. Bem que Clarice disse que a vida não é vivível. Agora sabia disso. Principalmente se se está ficando velha. Isso deve provocar ódio, achou essa autoexplicação muito elucidadora. Mas era bonita, desconfiava. É, mas era velha, e ponto. Velha ponto com ponto bêerre.

Chegou a hora de recolher a bagagem da esteira. A aventura de olhos verdes tinha ficado lá com sua cara de ódio. Dane-se!

Agora quem olhava para ela era um homenzinho com cara de gente boa, interessante. Correspondeu ao olhar, e ficaram olhando-se durante intermináveis segundos. Ela gostava mesmo de encarar. Dava medo, quando não dava ódio. Sempre fora assim, prolixa de olhos. Sempre precisou do olhar do Outro. Aquele Outro que olha e vai embora, porém, já estava esgotando-lhe a paciência. O homenzinho pegou a mala grande, sacou do celular e foi-se.

Seus olhos independentes acompanharam a marcha arrastada da mala grande. Foi-se.

No táxi não houve olhares. Em casa, de volta, sem olhares. Mais tarde, saiu para comer. Sem olhares.

Antes de cair na cama, deu uma passadinha no espelho do banheiro, e viu seus olhos.

Eram os seus, tão bonitos, quentes e solidários.

estaremos

Estou indo
espera-me, amado!

Sei que entre o frio
e os lençóis
amassados

estaremos -

Versos tristes,
acanhados,
presos, soltos,
livres e travessos
viveremos...

Entre os
que se perdem
em rumos

quadrado

roubou meus versos
lambeu meus cornos
ligou as trompas
sarou feridas...
e foi-se -
deixando-me
sem cornos
trompas
versos
esperança -
quadrilátero
vazio

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Francisca Macabéa da Silva, (já vi esse filme), filha de Dona Francisca,

perdeu o dedo indicador da mão direita quando tinha treze anos. Era uma torneira mecânica, e o acidente aconteceu enquanto manipulava uma das máquinas corta-dedos que o patrão azeitava religiosamente às quartas-feiras.
Mas ela não esmoreceu, nao: "teime, Macabéa, teime!", a voz da doce mãezinha ecoava sempre aos seus ouvidos, impulsionando-a a um futuro de sucesso e regalias. Dependia totalmente desses impulsionamentos. Davam-lhe força e às vezes inspiraçao poética. Mas o destino de Francisca Macabéa estava escrito nas estrelas. Teria a sua Hora.
Aprendeu a tocar guitarra e compôs, numa ocasião não muito propícia, dependendo do lado de quem via, um hino.  Acabou sendo condenada pela kgb como instigadora das massas, revolucionária, O refrão, supunha-se, nessa época de duras cervizes, ofendia Sua Majestade Imperial, o General.
Criou o Movimento dos Sem Dedos (MSD). Foi presa inesperadamene, Foi presa de forma inesperada, só deu tempo de agarrar o casaquinho preto. Torturada, massacrada, escangalhada, estuprada, culpada, xingada, forçada, quebrada em mil, centrifugada, eletrocutada, escapou com vida graças às origens fortemente enraizadas no nordeste brasileiro. Mulher de fibra de algodão e cana de açucar.
Os adeptos incansáveis do MSD postaram-se durante anos a fio e pavio na porta do presídio berrando histéricamente o refrão amado. Macabéa, do alto da masmorra comandava as massas rebeldes e insuflava as massas flácidas da galera da academia.
Gays desempregados, domésticas, trabalhadores, torneiras, todo o povo, vulgarmente apelidado de povão com alguns aderidos intelectuais "de esquerda" adorava Macabéa.
As palavras de ordem eram gritadas nos estádios cedidos sem infraestrutura (microfones, altofalantes, banheiros), e funcionavam como telefone sem fio, aquela brincadeira que toda criança gosta. Como era de supor, a mensagem saia inúmeras vezes deturpada no fim da fila. Mas era ela. "Macabéa, Éa, Éa, Éa!"
Entrementes,  tudo era insulto e horror.
Nas horas meditabundas da prisão, Francisca bolou um plano diabólico: seria Presidente do Brasil. Estava decidida a salvar a pátria mãe gentil das garras daqueles brutos que massacravam o povo, idolatrando, salve, salve, os uniformes galosos.
Teimou, teimou, até que conseguiu. A faixa estava no seu peito forte,varonil, lábaro que ostenta estrelada até o dia de hoje, graciosamente posto sobre o casaquinho novo.
Nos ínterins,antes da vitória final, fazia excursões pelo país, caminhando e cantando, seguindo a canção da glória e da fama, e do poder. Um ídolo, uma paixão nacional.
A partir daí foi uma sucessão infindável de vitórias. Ganhou tantas medalhas que não cabia mais na porta do armário embutido. Chorava a cada vez que seu país ganhava uma Olimpíada, Tourada na Espanha, Baile de Formatura, os Dez Mais. Era tudo pura emoção. Esperar não é saber, filosofava Macabéa.
Sensível, fazia tratamentos de pele e cuidava das madeixas que estavam enbranquecendo. Virou Pop Star, tinha avião particular em consignação. Seus olhos gulosos lambiam o destino vorazmente.
Para compensar a fome sofrida no passado de miséria e pobreza, naqueles sarcófagos ambulantes caminhões farofeiros paus-de-arara, Macabéa agora só comia churrasco, e tomava todas as capirinhas. Acumulou dentro do seu enorme ser físico alguns bois e vacas, já armazenando para as improváveis vacas magras que poderiam vir a ser. Nunca se sabe: ainda tinha medo e chorava à noite pensando na sorte de quem não tinha, como ela, galgado os degraus da fama.
Conheceu os poderosos e zombou deles, apontando-os com o dedo inexistente.
Nunca se soube de aventuras extraconjugais, coisas assim depauperantes. Macabéa era moralmente íntegra nessas questões de sexo.
Falava sobre qualquer coisa com muita propriedade, sabedoria. Afinal, misturada ao povo aprendera muito. Falava a lingua deles, entredentes. Não lhe sobrava modéstia.
Ainda toca sua guitarra nas horas vagas para uma plátéia seleta. Verdade, o refrão mudou: "That Is The Guy, Ai, Ai, Ai."
Ah, Macabéa...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ensaio sobre a sensualidade madura/versão inglesa

Ela não desistia. Já tinha feito exercícios de ballet clássico praiano, dieta sem carbohidratos, não bebia mais à noite, tinha rezado, jurado promessas de mudanças, participado de maratonas, tinha-se enfeiado ao limite, usando somente preto, duas alianças na mão esquerda, cabelo preso, mas nada, nada acontecia de amortecer aquela coisa viva dentro dela. Sem perdão. Exposta, o homem não perdoa. "Ainda?"
Os jovens ficam chocados, alguns enojados, as mulheres mais jovens não entendem ("ainda"?).
"A sensualidade na maturidade só é permitida aos homens e eles procuram jovens porque pensam ou, pior, constatam que as mulheres maduras são frígidas e desinteressadas por sexo. Os modelos que conhecem de casa não podem saciar ou exorcizar a sede de sexo que eles tem cada vez mais, mesmo em idade avançada, alimentados que são pela mídia, pelos comportamentos altamente sexualizados das pessoas e a lei da oferta/procura sempre, eternamente, foi favorável ao homem; na atualidade, muito mais, já que não precisam armar-se e ir à caça: uma mesa e uma garrafa, um copo, e o macho está pronto para agarrar a presa fácil. Assim de fácil. Não há tempo a perder com coisas difíceis. Vapt, vupt, as Margaridas resolvem o drama. Normal, tudo normal, se não houvesse o outro lado".

Que outro lado é esse? -  perguntaria a amiga, se tivesse uma.

Enquanto meditava nesses assuntos e outros de igual importância, Elizabeth Macabéa, uma pensadora de origem inglesa com veios de nobre estirpe do Nordeste do Brasil, digeria um suco de laranja acompanhado de pão cheio de carocinhos chamados gergelim, enquanto observava o horizonte terminado em azul de praias e barquinhos à vela.

Tambem meditou naquela manhã sobre a importância do cafe da manhã na vida de uma mulher.. É o cúmulo da solidão tomar o breakfast sozinha, pensou lá com seus insights ácidos, antes da primeira magnésia bizurada do dia.

Decidiu, portanto, baseada em tão importantes averiguações filosóficas, que iria morar num hotel. Sim, nos hotéis ingleses, o ritual do breakfast é fantástico. As pessoas tiram o jornal daqueles pendura-jornais (newspapers), leem enquanto sorvem absolutamente longos goles de alguma coisa parecida com café, um cheiro adocicado (SWEET) desce pelas narinas fumegantes, yes! cigarretes! e todo mundo se comporta elegantemente porque talvez seja a última chance de fazê-lo, pois que vem por aí o fog, e essas coisas absolutamente londrinas, cheias de charme, desejo enorme. Cool.

Sem dinheiro para ir ao shopping e sem cigarros há muitos anos, Elizabeth Macabéa de repente sentiu-se, de novo, novamente, again, sozinha no mundo.

Que fazer, Liz? -  é a vida. "Viver...ehê"...Vamos ao que interessa.  A La Chasse! Casaquinho preto no braço magro, ar de lady destemperada e boçal, completamente blasé,  levanta-se e pega o beco, lembrando-se vagamente das Margaridas que conheceu na vida.








normal

AS QUATRO ESTAÇOES (da primeira vez que viu o mar)

as quatro estações - da primeira vez que viu o mar


De frente para o oceano, o cheiro de maresia forte inebriando suas narinas, sentia-se azul, como que embriagada no embalo das ondas que olhava fixamente.

Uma parte do mundo coberta de água, aquela espuminha branca, o esverdeado misturado ao azul celeste, o ritmo que levava e trazia as ondas, até ali, até ali... e nada mais...espetáculo!

Cairam lágrimas dos seus olhos que nunca tinham visto o mar.

Tirou o casaquinho preto e deixou-o sobre a areia branca para descansar das andanças.
Chegou mais perto e o contato com a água fria provocou-lhe um arrepio subindo pelas pernas, - delícia!

Era de novo a menina encantada. Soltava gritinhos de alegria, pulava e salpicava com as mãos os amigos invisíveis que sempre a acompanhavam, principalmente nos momentos de alegria.

Seu vestido de malha estava completamente molhado e ela se sentia primavera, verão, outono e inverno.

A água já lhe subia pelas pernas, coxas, fria, gelada, banhando aquelas partes escondidas na calcinha branca.

Sentiu-se terna, aquecida e explicitamente excitada enquanto o líquido invadia os seios mornos e inundava de ternuras seu pescoço.



Colheu com as mãos em concha aquele azul doce, molhou o rosto e os cabelos, e a espuma fazia-se branca forma de sapato nos seus pés.

Estava tão feliz...nem percebeu que a cena chamara a atenção de um homem que se postara a seu lado admirando a beleza pura e simples da cena de quem nunca tinha visto o mar.

Fora amor à primeira vista.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

EU DARIA TUDO QUE TIVESSE

Daria tudo que tivesse.

Ou metade.

(Não, é melhor dar "tudo que tivesse")

Talvez assim te ganharia e aquele beijo que perdi.

Ai, de novo vi tuas mãos moverem-se em direção ao encanto e amarelei.

Fiquei parada, pasma... totalmente desajeitada.

E o beijo veio e foi-se na mesma velocidade.

Perdi. Endereço, cartão de telefone, celular.

Achatada, a tribo me ignorou.

Vencida, voltei para o meu canto onde o desencanto faz magia negra e me amedronta.

Franzo olhos, testa e sobrancelhas (talvez botox?).

Envelhecida, cansei nessa viagem.

Eu e o meu casaquinho vamos ser de novo aporrinhados com palavras feias e versos desmedidos.

Estamos sós de novo, mas valeu a tentativa.

Um casaco se lava, mas a alma, essa pobre...coitada!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

As quatro estações (ao Véio)

Batia impaciente os pés na calçada molhada, sentindo-se estranhamente aflita. Que tinha dado nela, assim de repente... Tem pessoas que falam um monte de palavrões e sentem-se aliviadas. Não era seu caso. Disfarces, apenas. Dobrou o casaquinho preto debaixo do braço. Cheirava a sabão em pó. Finalmente um dia de sol.
Alguem já havia comentado que suas escritas eram lamurientas, que era ela insípida, borderline, que deveria consultar um psiquiatra e não ficar postando no computador aquelas baboseiras antigas e mal pagas. Revisou o conteúdo e achou que faltava palavrões. Faria um super poema com todos os palavrões que conhecia. Tinha conhecido um mestre, dominava a arte.
Ah! Deu de ombros. Era assim mesmo. Talvez desse um tempo nesse desejo (de ser escritora). Podia deixar de ser urgente. Tudo era urgente? Que bobagem...A urgência era pior quando se tratava da intolerância à lactose. Isso sim era urgência.
Lady Laura, Lady Gaga, Dama, Vestuta Senhora da Aldeia Aldeota, isso que era. Um fio de cabelo atravessou-lhe a testa. Sublime, afastou-o com um sopro.
Ic, soluço! Era o frio voltando. Os pelos dos braços já estavam arrepiando. Hora do casaquinho. Onde estava, onde estava? Remexeu na enorme bolsa verde, até que o encontrou no meio do monte de coisas. "Nunca, nunca jogue lixo na calçada!" A espinha já estava confrangida e se dobrando em duas.
Foi ver a exposição, uma droga, acho. Farta dessa arte contemporânea. Mandaria um email para sua amiga que disse "a exposição está maravilhosa!" - Uma porcaria, isso sim.
A chuva apertou. Brincou com Deus - Dilúvio de novo, Jeová? Já não basta um?
Melhor ir de ônibus, apesar de ser apenas quatro paradas.
E apertou contra o peito o casaquinho preto, de novo na insensatez de caminhar na chuva. Homens dormiam nas marquises, embora fosse apenas de tarde. Becos e ruelas escondiam o perigo, mas ela era mesmo uma intrépida, continou. Ficar velha devia ser medo e dor, pensou enquanto seus olhos indiferentes observavam os velhos dormindo no chão.
Tentou ler as palavras que estavam escritas no braço do rapaz no ponto do ônibus, inútil. Deu de ombros. Estava falida, sem dinheiro no banco, a bolsa vazia com apenas o trocado do ônibus. O moço da tatuagem empurrou-a para passar pela catraca. Pressa ela não tinha. A mulher de blusa transparente ocupou um assento com uma bolsa quase tão grande quanto a dela, então ela foi sentar-se lá na "cozinha", que era como a gente chamava quando ia no ônibus escolar. Que barato, era tão bom! Riu para dentro.
Lembrou-se de um namorado e veio uma idéia que afastou quase imediatamente: que tal se arranjasse um namorado? Não, nem pensar, deu de ombros. Há muito seu tempo já havia passado, há muito desistira dos homens e seus desesperos sexuais.
Um dia talvez, quem sabe, encontre um homem dado a conversas e longas discussões sobre a natureza humana.
Apertou os botões do casaquinho, levantou a gola, encolheu os ombros, cruzou com força os braços sobre os seios e seu olhar triste abraçou o tempo e a chuva. Desceu do ônibus e sumiu entre os pingos grossos da tempestade.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Verso de cansaço

Poupa-me. Do tempo de abrir portas e janelas para que entre a vida que não quero.
Poupa-me dos absurdos de não ser. Apenas poupa-me a trilha do caminho que me leva alem do ponto escuro -  poupa-me, suplico.
Apenas do nascer do sol e da água que dói ao meu contato mínimo, de tanto que meu corpo anseia.
Poupa-me do tempo que me envelhece e destrói minhas magias, feiticeira embuste sem tréguas do tempo consumido.
Poupa-me de ser apenas a tua mulher, mais nada. Fui. E restaram apenas símbolos, arquéticpos e sonhos encravados.
Poupa-me de sonhar teus sonhos e lamber tuas feridas. De ser cão e dona ao mesmo tempo.
De voltar e ir em direção incerta.
Poupa-me de olhar indefinidamente para o telefone, a esperar tua chamada, poupa-me!
Deixa-me um mês, um ano, um tempo incerto sem tua onipresença incômoda da falta do amor que morre, deixa-me.
Poupa-me de ser estrela ambulante que perdeu o brilho, o brilho, a madurez roubada, o viço, esplendor ferido por tua mão bruta a escanear minhas entranhas.
Deixa-me!  E evita-me ouvir essas palavras roucas, loucas, estúpidas que saem da tua boca objeto do meu nojo e pavor.
Talvez eu abra portas e janelas para o horizonte, para a vida que me foi tirada. Vai e deixa que essas mesmas portas que continham sangue e suor, sejam apenas minhas lágrimas.
Ai, deixa-me, estou tão cansada...! Apenas a solidão poderá ser salva se tu me deixares...