segunda-feira, 7 de junho de 2010

O que você faz, menina, vive do quê? Perguntou o homem meio barrigudo..
Eu escrevo.
Ah, escreve. O que?
O que o que? - perguntou ela, desconfiada.
Uma vez disseram que ela sofre da síndrome da conspiração, então... estava sempre na defensiva. Via binóculos observando-a de cima dos prédios, por trás das cortinas, em meio às transparências das fumaças de cigarro, até chegou ao ridículo de fumar escondida de si mesma, Mas isso é outra história.
Meu diário, disse com ar arrogante e o nariz arrebitado.
Vou escrever um livro.
O homem olhou-a de alto a baixo, o que, certamente não se tratava de um passeio muito longo do olhar em vista da pequeno espaço que o corpo da moça ocupava,  e resmungou um "ah!" desqualificado na escala expressão.
Todos, absolutamente maioria, entendiam quando ela respondia assim. "Meu diário!" - com orgulho e a petulância comum aos que se querem fazer escritores, Mas aquele homem, não. Aquele homem estava mentindo.
Continou a escrever no caderninho.
Depois que tinha escrito as aventuras diárias, de como tinha dado comida aos pombinhos na frente da igreja, de como tinha conversado com a mulher sentada na praça que tinha-lhe contado que era organizadora de eventos, que tinha um filho que trabalhava com ela, que tinha 64 anos, que aos domingos ia montar stands no shoppinga Aricanduva, que sentia dores na perna, por isso andava com aquela bengala. Chamava-se Ester e ficou grande amiga sua.
Em seguida, guardou o material na mocilha .
Como era domingo, as padarias do centro estavam fechadas. A próxima passeata deveria ser a favor de abrir as coisas no centro da cidade no domingo, pensou M. Alice, do fundo de suas masmorrices interiores.
"A coisa que os velhos mais gostam é comer".
Ficou escutando a conversa de uns senhores ricos, sentados no restaurante mais ou menos chic.
Espichando os ouvidos para escutar melhor, Macabéa ouviu-os descrevendo os banquetes servidos nos navios em cruzeiros poraíafora (alguns gostam muito de Fernando de Noronha - não sabia porque - ela mesma achava a ilha muito chatinha), nas poltronas da primeira classe, no luxo das suas cabines particulares,
e, pasmem! até nos seus jatinhos particulares.
Uma vez, mesmo, uma prima convidou-a para comer num restaurante, e ela por modéstia, decência e juizo, pediu o que julgava ser o prato mais baratinho da casa. Miseros centos e sessenta e três reais. Picadinho de filé, arrozinho num montinho, farofinha e uma cumbiquinha com um feijãozinho. A iguaria custava cento e sessenta e três reais. Para compensar, no piano um homem belo tocava tudo quanto é música boa, e ainda tinha o vinho absurdamente francês, sec.
Ela sentiu pena. Não dos homens que gostam de comer, não da prima rica, não dela mesma que faria o mesmo picadinho na sua cozinha por uns míseros vinte reais, para três ou mais pessoas, nem dela tampouco. De um modo geral era a pena que ela sentia.
Das pessoas que sofrem da tal da síndrome da conspiração.

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