quarta-feira, 25 de novembro de 2009

boleros de terça-feira à noite

Ele estava lá. Sempre no mesmo lugar, na mesma mesa escondida por debaixo da velha árvore que ainda despejava mijo de potó de vez em quando. Barba bem cuidada, roupa esportiva e perfumado. Ali, todas as terças-feiras, ele arrumava uma namorada. Nunca vi os beijos e abraços que ele dizia trocar com as "meninas" debaixo da árvore, toda terça-feira. "Teve uma, casada, que levantava a toalha para nos beijarmos sem que ninguem visse". Naquele bar, a música troada era o som de velhos boleros. Às vezes um karaokê insuportável. Carlinhos era habitué, então era bem tratado pelos garçons e conhecido do dono da casa. Todas as terças-feiras saia dali cambaleante, a voz engrolada. Por sorte morava bem pertinho. Quando eu ia eventualmente àquele bar, numa terça-feira qualquer, ele insistia em que sentássemos juntos. A bem dizer éramos amigos de infância, pois nos conhecemos no começo da nossa terceira idade, quando a gente perde a noção. E, lá pelas tantas, Carlinhos começava a cantada, quando os olhinhos negros opacos pela bebida já não brilhavam como de caçador. Sem presa, Carlinhos voltava-se agora para mim, a ultima esperança da terça-feira. Eu ouvia pacientemente as odes aos meus encantos, inteligência e por ai afora.
Sinceramente, eu pensava na mulher dele - que estava em casa dormindo e, certamente, não o ouviria chegar com o nariz entupido de vick vaporub para disfarçar o cheiro forte de bebida que exalava das narinas. Depois podia roncar à vontade. Ela já tinha tomado o sonífero. Distribuindo sonhos...Carlinhos dormia.

Nenhum comentário: