sábado, 9 de janeiro de 2010

olhos em mutaçao (sempre)

"Nunca te vi, sempre te amei"


Este era o filme que passou na tela durante a viagem.

Por que o comissário de bordo que sorriu para ela todo encantado, no fim da viagem olhou-a com cara de ódio, o que mudou? Só por que subiu na cadeira com os seus sapatos sujos? Mas o avião nem é dele, ciumento. Seus olhos mudaram desde que correspondeu ao olhar pois achou que o nome dele poderia ser Wagner. Só isso: Wagner. Achou que ele poderia ser aquele, sabe, aquele Wagner, porém estaria mais velho, se fosse ele. As mesmas cicatrizes de acne no rosto bronzeado, os mesmos olhos esverdeados, o nariz aquilino, o homem era a cara do Wagner. Parou de encará-lo, percebeu que o incomodava.

Quando pegou a bagagem de mão sentiu-se cafona, brega, desajeitada, porque ele continuava a olhá-la com cara de ódio. Meu Deus, que fez ela para merecer uma expressão daquelas? Enquanto estava em pé na fila tirou o espelhinho da bolsa e olhou-se atentamente. Era a cara dela, a mesma, nada havia
mudado.Merecia tanto ódio?

Eu, se fosse ela, perguntaria logo "seu nome é Wagner?". Pronto. Bem que Clarice disse que a vida não é vivível. Agora sabia disso. Principalmente se se está ficando velha. Isso deve provocar ódio, achou essa autoexplicação muito elucidadora. Mas era bonita, desconfiava. É, mas era velha, e ponto. Velha ponto com ponto bêerre.

Chegou a hora de recolher a bagagem da esteira. A aventura de olhos verdes tinha ficado lá com sua cara de ódio. Dane-se!

Agora quem olhava para ela era um homenzinho com cara de gente boa, interessante. Correspondeu ao olhar, e ficaram olhando-se durante intermináveis segundos. Ela gostava mesmo de encarar. Dava medo, quando não dava ódio. Sempre fora assim, prolixa de olhos. Sempre precisou do olhar do Outro. Aquele Outro que olha e vai embora, porém, já estava esgotando-lhe a paciência. O homenzinho pegou a mala grande, sacou do celular e foi-se.

Seus olhos independentes acompanharam a marcha arrastada da mala grande. Foi-se.

No táxi não houve olhares. Em casa, de volta, sem olhares. Mais tarde, saiu para comer. Sem olhares.

Antes de cair na cama, deu uma passadinha no espelho do banheiro, e viu seus olhos.

Eram os seus, tão bonitos, quentes e solidários.

Nenhum comentário: