segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

As quatro estações (ao Véio)

Batia impaciente os pés na calçada molhada, sentindo-se estranhamente aflita. Que tinha dado nela, assim de repente... Tem pessoas que falam um monte de palavrões e sentem-se aliviadas. Não era seu caso. Disfarces, apenas. Dobrou o casaquinho preto debaixo do braço. Cheirava a sabão em pó. Finalmente um dia de sol.
Alguem já havia comentado que suas escritas eram lamurientas, que era ela insípida, borderline, que deveria consultar um psiquiatra e não ficar postando no computador aquelas baboseiras antigas e mal pagas. Revisou o conteúdo e achou que faltava palavrões. Faria um super poema com todos os palavrões que conhecia. Tinha conhecido um mestre, dominava a arte.
Ah! Deu de ombros. Era assim mesmo. Talvez desse um tempo nesse desejo (de ser escritora). Podia deixar de ser urgente. Tudo era urgente? Que bobagem...A urgência era pior quando se tratava da intolerância à lactose. Isso sim era urgência.
Lady Laura, Lady Gaga, Dama, Vestuta Senhora da Aldeia Aldeota, isso que era. Um fio de cabelo atravessou-lhe a testa. Sublime, afastou-o com um sopro.
Ic, soluço! Era o frio voltando. Os pelos dos braços já estavam arrepiando. Hora do casaquinho. Onde estava, onde estava? Remexeu na enorme bolsa verde, até que o encontrou no meio do monte de coisas. "Nunca, nunca jogue lixo na calçada!" A espinha já estava confrangida e se dobrando em duas.
Foi ver a exposição, uma droga, acho. Farta dessa arte contemporânea. Mandaria um email para sua amiga que disse "a exposição está maravilhosa!" - Uma porcaria, isso sim.
A chuva apertou. Brincou com Deus - Dilúvio de novo, Jeová? Já não basta um?
Melhor ir de ônibus, apesar de ser apenas quatro paradas.
E apertou contra o peito o casaquinho preto, de novo na insensatez de caminhar na chuva. Homens dormiam nas marquises, embora fosse apenas de tarde. Becos e ruelas escondiam o perigo, mas ela era mesmo uma intrépida, continou. Ficar velha devia ser medo e dor, pensou enquanto seus olhos indiferentes observavam os velhos dormindo no chão.
Tentou ler as palavras que estavam escritas no braço do rapaz no ponto do ônibus, inútil. Deu de ombros. Estava falida, sem dinheiro no banco, a bolsa vazia com apenas o trocado do ônibus. O moço da tatuagem empurrou-a para passar pela catraca. Pressa ela não tinha. A mulher de blusa transparente ocupou um assento com uma bolsa quase tão grande quanto a dela, então ela foi sentar-se lá na "cozinha", que era como a gente chamava quando ia no ônibus escolar. Que barato, era tão bom! Riu para dentro.
Lembrou-se de um namorado e veio uma idéia que afastou quase imediatamente: que tal se arranjasse um namorado? Não, nem pensar, deu de ombros. Há muito seu tempo já havia passado, há muito desistira dos homens e seus desesperos sexuais.
Um dia talvez, quem sabe, encontre um homem dado a conversas e longas discussões sobre a natureza humana.
Apertou os botões do casaquinho, levantou a gola, encolheu os ombros, cruzou com força os braços sobre os seios e seu olhar triste abraçou o tempo e a chuva. Desceu do ônibus e sumiu entre os pingos grossos da tempestade.

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