quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

cabeça de chave


Todos os dias, das 14 às 22 horas, ela trabalhava como gandula no Clube de Tenis. Hora paga e algumas regalias como ganhar camisetas de torneios e pedaços de bolos nas festas de aniversários, comemorações, e outras do tipo realizadas entre os tenistas. Enfim, sentia-se quase uma sócia-atleta do clube de elite, quase uma família que nunca teve (é...enredo triste, mas não desista, apesar dos lugares-comuns, hoje pode ser meu balde, amanhã pode ser o seu - lugar comum: balde,areia, notas da escritora)

Quando começou era franzina, magrinha. Corria muito e era muito atenta durante os jogos, nunca perdendo um movimento dos jogadores e nunca errara o alvo ao atirar a bolinha para o jogador da vez. Vista com carinho por todos. Até um dia descobriram que era o aniversário dela e fizeram de improviso uma festinha, cantaram parabens e alguem correu na padaria mais próxima e comprou um bolo de padaria (!). Ficou feliz.

Macabéa foi crescendo e jã não eram mais aquelas pernas secas, esturricadas de sol, aquelas canelas que pareciam dois gravetos fincados nas areias vermelhas das quadras de tênis.

Foi amadurecendo seios, nádegas e as pernas, meu deus, as pernas eram as pernas mais bonitas daquele clube. Bela. Sua beleza brilhava como amarelo gema ao sol.

Passou a escutar piadinhas maliciosas dos garotos e os velhos extrapolavam de vez em quando nas gorgetas.

Ganhou uma raquete Wilson quando ainda era pequena, mas sempre estava abraçada a ela nas horas vagas ou então treinando no paredao com as bolinhas peladas que os tenistas dispensavam ...Boa observadora que era, aprendeu logo logo os golpes e as manhas do jogo. Começou a participar de torneios e os sócios tenistas icentivavam pagando as inscriçoes e às vezes tinha até torcida. Ela, sempre muito tímida e de olhos baixos,aprendeu . Era boa. Era ótima. "Sonhava em voar nas asas mágicas da sua raquete e conquistar o mundo". Astuciosa, desenvolveu com perícia um backhand fantástico, os drives e aces (indefensáveis). Vibrava a cada set point, a cada game a a cada vitória. Vibrava como as cordas tensas de nova raquete Wilson carbono.Drives e aces inesquecíveis. Backhands eram seu forte.

A moça bonita era cheia de graça e os meninos estavam apostando entre si quem a conquistaria primeiro. Coisa em euros e dólares. Perdição, a morena foi engolida pela vaidade e cedeu para o prazer de um riquinho, virando troféu que todos os garotos queriam possuir. Motivo de chacota entre eles, Macabéa percebia e sentia-se humilhada. O tal garoto...sei lá, parecia ter desistido dela e de seus encantos virgens.
Os outros todos queriam experimentar a doce aventura de penetrar a linda Macabéa.

As esposas dos tenistas já a olhavam com as testas esticadas de botóx  mas os olhos expressivos de desconfiança. Piadas, risadinhas, todos sabiam da história de love da moça. Continou vítima das apostas e seus olhinhos quase sempre, quando não estavam centrados no jogo, estavam fixos nas cordas da raquete que endireitava com atenção, gesto que os tenistas repetem sempre para concentração. Dava algumas aulas particulares a crianças impertinentes e sem talento e velhos barrigudos que usavam o pretexto do jogo de tenis para poderem se reunir com outros homens e tomar cerveja depois dos jogos.

Um dia, enquanto separava com os dedinhos aflitos a imperfeição dos quadradinhos das cordas da raquete, num insght profundo, fruto de longas observações e solidão exacerbada, uma nova palavra veio adicionar-se ao seu já extenso conhecimento de inglês técnico.

No pequeno quartinho onde mora, na casa de uma tia, Maca nas horas vagas,agarra sua raquete Wilson e  fica a arrumar cuidadosamente os quadradinhos das cordas frouxas, desemparelhadas, carinhosamente,enquanto assiste jogos de tênis pela TV.

Da tenista não há mais nada, nem tampouco da gandula. Apenas uma moça triste, virada para dentro de si.

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