quinta-feira, 12 de agosto de 2010

À Boba de Clarice

fui te buscar, querida. fui ao cúmulo do universo.

sei das intempéries e do fausto pobre que te cerca...

e do quanto estás só...

busquei-te nas ruas, minhocas e avenidas.

entanto, protegida pelo sonho de ser nada,

vagavas. eu buscava em cada canto, em cada esquina.

busquei-te como quem busca uma pureza antiga

uma pureza antiga dum verso sem rima.

como quem cata piolhos na ternura de uma crina.

busquei-te e te vi nas incertezas, malas, aviões, e

navios sem esquina. praças, ruas, dormitórios crus,

sem abajours. sem chuveiros de água colorida.



encontrei-te dormida sobre colchoes na calçada.



porque te amo, te busquei insone, em noites mal dormidas,

macabéa, mauricéia, dulcinéia, pessoa sem sentido.



das lágrimas que teus olhos caem fiz-te um vestido branco.

sem nós, sem seda, sem nódoas de tecido.

apenas um vestido travestido da miséria humana.

eras..foste..existes...és! a minha, sempre

eterna, etérea, simples macabéa triste.

transmudas seres...existes... todavia. 

em teu corpo branco outrora residia

um negro ser que te vestia...

á, como te quero antes do passado..

antes do que te vestia, dessa veste branca

dessa veste infame...á, como eu te queria!)



sonhei teus sonhos mas era eu quem me dormia...

era eu...e tu só resfolegavas

as babas do cigarro, catarro de pulmões

que já não vivem...macabéa triste..



na mochila do teu rosto triste

um passado...macabéa que já não existe

fomos, eu para o lado da ventura

tu, alegre sem saber-se - quem sabe um dia,

encontramo-nos?: eu, pobre, tu, do outro lado da avenida.

cercando-nos, à toa o ritmo cego e fútil dessa vida.

embora lúcidas e sobrevividas, sobrevivem tolas, mansas e caídas.

como quem ri, e ri-se à toa, tola, tola... sabe-se tão mal querida.



- ri, amada, ri - que o mundo não passa de uma vala

onde o ser desmaia, a morte desanca a pele louçã dos que - ó!

pensam-se alegres e desmaiam-se na vala comum

dos tristes! - morte, um íntimo vulgar insulto.

macabéa, triste, digna, hirsuta,

passa com desdem, ora vai, ora vem...

e atravessa o tempo - o tempo...que não tem vivido!

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