sexta-feira, 16 de julho de 2010

o cronista cansado

Entediado, inquieto, acuado, caminahando sem rumo entre os três metros quadrados de parede que o cercam, ele tem que exercer diariamente a sua função de cronista, mas hoje, especialmente hoje, não sabe por que. sente-se como um soldado que vai à guerra sem armas. Pergunta-se há quanto tempo isso vem acontecendo e com quê frequência.

Às vezes, quando está inebriado por algum licor, alguma dor ou alguma contradição ou sofrimento que o amor causa, o cronista escreve com facilidade. Mas, para desgraça do pobre homem, hoje o vazio é de dentro, de onde ele tenta buscar algo e não sai nada. Garimpa entre os pedaços de papel espalhados dentro dos bolsos, escritos em contracapas de livros lidos e relidos, alguma inspiração, algum mote, uma lembrança "quando eu era pequeno, na cidadezinha do interior, onde não havia água e o gado morria de sede..." um detalhe impulsor para a largada na corrida inglória.

Relê antigos artigos que talvez possam ser alongados, destrinchados, multiplicados, transformados, performanceados por novos personagens, mas a aridez da procura mais o enerva e contrai.

Telefona a um amigo para saber noticias, mas está tudo meio vago na sua mente, não consegue concentrar-se, e, daí, conclui: vai ter que debulhar seu próprio coração e  confessar  inconfessáveis, destrinchar a alma até então disfarçada por trás de cotidianos de outros, de pensamentos alheios, de vidas roubadas por escutar conversas nas mesas de bares.

Agora debruçado sobre o computador, as costas arqueadas, sem os óculos que acabou de perder na bagunça da sala, começou a escrever com os dedos retesados.

Hoje, meus caros leitores, não tenho nada a lhes contar. Hoje, quando o mundo parece acabado, terminado, e minha tarefa obrigatória tronou-se extremamente difícil, tenho que confessar com a força bruta que me impele em direção às teclas: estou vazio, que lhes posso dizer - vocês  que esperam com avidez a  alegria das minhas crônicas diárias, desse ser que sou tão descompromissado com as tristezas da vida , fútil e fazedor de risos?

Que caiu água fria da minha torneira? - que o chuveiro queimou, que sinto muito frio, e ainda estou enrolado no meu cobertor xadrez, sem forças para esquentar a água e tomar um café solúvel com o pedaço de pão amanhecido que espera em cima da pia - que não sonhei essa noite passada, que não amei na noite anterior, que não sai do casulo, que meus livros estaõ velhos e eu detesto pesquisa pela Internet, e que ninguem me ajuda, nenhuma inspiração divina ou algo que o valha. O pão olha para a minha cara amassada, que sequer lavei ainda, meus olhos ardem com alguma espécie de alergia, que...não sei.. - e o meu celular fica dez dias sem tocar...que vou e volto à rua, ao banco, à lavanderia, ao supermercado, à farmácia, e nada de novo, nenhum fato... Que a decadência das minhas letras já me estão anunciando um futuro amargo e sem pão adormecido?

Que dizer-lhes? Que ninguem me ama, ninguem me quer, ninguem me chama de meu amor, isso a Maisa já disse. Que o meu mundo caiu? Tambem ela ela já sussurra aqui nos meus ouvidos doces. Que tem dias que a gente se sente, como quem partiu...ou morreu,  - o Chico, ah!, o Chico disse todas as minhas palavras.

Faltam dez linhas, o tempo suficiente para esquentar a água, tomar o meu café com pão, tomar um banho frio, escutar o Mano Chao:" ya estoy curado, anestesiado, ya he me librado de ti"...ah, meus caros, como falar com uma pessoa vazia como eu? A máquina brilha na sua tela e me cega, eu, velho bobo, como vou  buscar futuro num passado tão distante? Ajudem-me, por favor: não me leiam, não me leiam hoje.

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