quinta-feira, 13 de maio de 2010

O altar de barrro e a Julieta internáutica

Apertando dentro do bolso do casaquinho preto o papel amassado e empoeirado devido ao longo caminho que teve que percorrer na velha carruagem  até chegar ao destino - se não me falha a memória, coisa de três semanas, ela dava voltas em torno da quadra do Teatro Municipal.
Tinha sido deixada sozinha no altar.
Agora teria que medir meticulosamente cada passo até que aquilo passasse a não significar mais nada, desfazendo-se na mesma poeira que trouxe a fatídica missiva. Decidiu, depois da terceira volta na quadra, regressar à sua casinha que ficava na floresta antes que as pedras se espalhassem demais e ela perdesse o mapa que a levaria de volta. Seria muito triste lavar roupa naquela água fria do tanque, olhando para o Grande Muro.
Parou na velha loja de cds.
- Moço, cd toca no pc?
- Toca, sim, toca dvd tambem.
- Então, me dê por favor um cd do Bruno Y Marrone.

Ainda parou na padaria para almoçar e pediu um ovo à parte. O estômago lhe andava mal e a coriza irritava. Frio só combina com vinho e cam, era o que pensava..
Com jeitão de executiva atravessou a Nove, subiu a escadaria, carregando o lep top na mochila.

Tudo já tinha acontecido, a carruagem não chegou a tempo.
Releu a carta que dizia o seguinte, com uma letra bem desenhada, um pouco trêmula:

"Quando esta chegar ao seu destino, já terei passado pela maior vergonha da minha vida, num papel covarde que não gostaria nunca de  ter que assumir, mas o fato é que decidi não casar mais com você. Estou apaixonadamente namorando outra. Sigo no primeiro navio, empreendendo a longa viagem até onde você, para dar-lhe pessoalmente as devidas explicações e cumprir meu papel de cavalheiro, nobre que sempre fui. Espero contar com a similar  nobreza do seu sempre tão dadivoso coração, razão pela qual tanto me apequei a você.
uNão posso negar minha dor e vergonha.
Por favor, tome as medidas necessárias e vexaminosas numa situação dessas: pague os garçons (não esqueça de dar-lhes vultuosas gorjetas), o mesmo, por favor quanto ao pessoal do som, principalmente o DJ Marttelo, com quem tenho outras dívidas antigas a acertar, tambem no tocante à cerimonialista e aos demais nos arreglos para a cerimônia, não esquecendo, por certo, o padre Cícero. Claro que desembolsarei a quantia necessária para tais fins, imediatamente após minha chegada.
Quanto à sua familia, farei todo o possível para que não nutram rancor e ódio contra mim, ó, o mais infeliz
 dos mortais.
Sigo amando-a de todo coração, como a uma irmã.
Seu sempre,
GH
P.S.: Detesto ter que causar-lhe mais esse aborrecimento, mas os convidados...ah! como gostaria de poupar-lhe tal vexame....ficam sob sua incumbência, para acalmar-lhes as maledicências."


Macabéa Juileta pensou em tomar alguns comprimidos para dormir, mas num laivo de sanidade atentou que não se pode mais confiar nos príncipes de hoje em dia, e, por certo, todos passariam pela estrada afora e nem tchum para ela, lá deitada na pequena caminha. Até os sete anões mudariam de endereço para não ter que fazer BO na delegacia. Ao invés do beijo ardente daqueles lábios corderosa, com os azuis olhos ligeiramente cerrados, certamente os paramédicos soprariam seus hálitos fedidos para dentro de sua bouquinha santa - bem, nem tão santa assim, e bateriam no seu peito magro até deixá-lo roxo.
Talvez o problema dos príncipes de hoje sejam os cavalos. Pô, pegam e deixam damas nos altares com muita velocidade, oitenta cavalos, sei lá quantos, talvez aquelas motos enormes tenham mais cavalos do que tinha em Tróia.
Derramou algumas sentidas lágrimas que, para seu espanto, congelaram na descida. Ficaram como pétalas grudadas no rosto. Correu ao espelho: estava linda! com aquelas lágrimas estupefactamente (leia-se com o c bem pronunciado) coladas na pele hidratada.
Que fazer, ó destino, com tanta lindeza pós mortem?

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