quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Diante do altar dos ódios" ela prostra-se e escreve o título. Destarte os últimos dias terem sido difíceis, aperreados de discussões, brigas recheadas de palavrões fanáticos, depois de alguns dias, a volta deveria ser mais serena. Caprichosamente, escolhe a tinta e o papel. A letra mal feita não coopera. O dia está sombrio, escuro como que vai chover. O papel continua ali, branco, branco imaculado e as palavras não querem sair. Estarão engasgadas em algum canto da garganta? O sabiá canta na janela - mentira, não tem sabiá nenhum - e ela prende um alfinete no decote que está exagerado. O papel continua branco, branco imaculado. Levanta, toma um gole dágua, acende um cigarro que não fuma, joga fora com desdém, continua olhando em direção à janela, frustrada. As pernas estão mal colocadas devido ao banquinho muito baixo, sente dor nas costas.

Só isso, e as palavras não saem. A menininha ontem contou-lhe que seu aniversário seria O Casamento da Branca de Neve porque ela queria ver o casamento da Branca com o Príncipe. Só o beijo não valia.
- Mas, tia, eu não vou convidar a Bruxa.
E depois de pensar um pouco acrescentou:
- Mas, maçã envenenada vai ter que ter! - disse com veemência. Ficou triste: a menininha não dispensou o lado mau da estória.

A moça escandalosa, de saia vermelha, meio histérica, disse que ela não sabia nada da vida - como se ela não tivesse vivido. Não ligou muito - a criatura não sabe nada dela ou está querendo provocar. Era sempre assim, ela escrevia algumas mentiras misturadas com algumas verdades, mas algumas pessoas só queriam acreditar na mentira. Eram como a menininha, enxergavam o lado mau da estória. Continuavam a misturar, não como as crianças fazem, mas dentro de suas cabeças áridas construiam um mundo  de visões em que elas mesmas não acreditavam. Será que a meninininha usaria a maçã como defesa?  Tipo ah, qualquer coisa eu taco uma maçã envenenada e -  ou acabo com a festa, ou...sei lá... E ela, o que faria com uma maçã envenenada - que era o que ela escrevia -  a quem ofertaria? Num ato de misericórdia, de vingança, de inveja, de saudades, de amor? A maçã do amor agora estava em suas mãos e era envenenada.


E como Macabéa era árida, isso - árida como o sertão!, não podia contar toda a verdade - afinal, qual seria a graça se ela contasse realmente como viveu a vida, como escorregou por ela como se fosse de verdade (a vida!).

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