terça-feira, 13 de abril de 2010

a culpa de macabéa


Qual seria o plano B? Cumprir a sentença de vida era um peso enorme. A condicional seria o direito de passar algum tempo morta, descansando. Depois, voltar à cela cumprindo a longa pena da vida: com ela havia tres ou quatro na mesma situação...arrastando o corpo ao longo da sentença.



Dar um sentido ao banho, às evacuações, à alimentação.



Estirou a cabeça reclinando-a num encosto invisível. Desejou ardentemente que o barulho do trem não terminasse jamais. como um canto de ninar. Virou criança cheia de desejos, enquanto esticava as pernas, dobrando o corpo para trás. Macabéa, Macabéa, pensou: qual o plano agora?



Um trem que atravessasse o mundo, e a levasse em sonhos de volta ao passado, enquanto lembranças doces escorriam nos trilhos, no choro do trem, a galinha com farofa. Com os olhos semicerrados, ouvia as vozes entre as portas, no meio de janelas fortemente fechadas e um calor gostoso percorria sua nuca úmida.



Não podia enganar ninguem nem fingir que era inocente. Os olhos quase adormecidos olharam de um lado a outro, percorrendo os bancos vazios. Olhos sem antecedentes e sem brilho afinal. Escuros e voltados para dentro, frios.



Pensou nos filhos, a bunda doia no assento duro, levantou os pés um pouco acima do chão do vagão deserto e começou a sentir aquela ânsia de sufocamento como se alguem a esganasse. Na próxima estação, Macabéa teria que estancar o sangue e decidir o plano B, a pena a cumprir.

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